terça-feira, 31 de janeiro de 2017

P876: SOBRE O NOSSO 7º ANIVERSÁRIO

Enviou-nos o Manuel Frazão Vieira este texto em que faz uma apreciação do nosso último encontro, comemorativo do nosso sétimo aniversário.
Numa coisa ele tem razão, faltou algo para animar a ocasião… e nós sabemos o que foi - o tradicional bolo de aniversário…

Talvez tenhamos alguma desculpa com esta falha. Estamos a lembrar-nos que numa anterior comemoração o pasteleiro contratado decidiu alterar as instruções que lhe tinham sido dadas e resolveu escrever “Banca do Centro” no topo do bolo. 

Um psicólogo poderá dizer que estas recordações traumáticas deixam sequelas, principalmente numa ocasião em que a Banca está tão fragilizada… Talvez tenha sido por isso que nem avançámos com a preparação do bolo de aniversário… Mas tentaremos ultrapassar o trauma no próximo aniversário!

Os editores             


   Bons amigos e estimados camarigos

Manuel Frazão Vieira
É verdade. No passado dia 25 de Janeiro de 2017, comemorou-se o 7.º aniversário da criação da Tabanca do Centro, com a realização do 58.º encontro-convívio dos camarigos ex-combatentes da Guiné. 

Para este encontro estavam anunciadas 71 inscrições. Não sei se vieram todos os inscritos, mas os que vieram sabiam ao que vinham, pois a sua presença, convívio e animação, como sempre, foi prova disso mesmo, com a particularidade de, desta vez, se celebrar o aniversário da criação da Tabanca do Centro. Foi um evento digno de registo, de louvor e de reconhecimento pela sua continuidade.

Pareceu-me, no entanto, é uma opinião muito pessoal, vale o que vale, faltar qualquer coisa mais para uma festividade destas em dia de aniversário - 7 aninhos. Não sei responder, nem tenho qualquer ideia para o efeito. Deixo a observação, a título de desafio, pensando já no próximo aniversário. 

O importante para mim é que os encontros que se seguem se prolonguem no tempo e tragam muitos camarigos ao convívio, sinal de vida. É que, dentro de cada um de nós há uma relíquia de memórias e afectos que são o suporte de um tesouro individual de todos e cada um, uma vida de trabalho, sonhos e anseios nem sempre conseguidos. Todos nós fomos e estamos vincados, ainda, pela marca de duros episódios de guerra.  

Os encontros de Monte Real trazem-nos, por alguns dias, a suspensão do nosso isolamento e a quebra de um quotidiano, por vezes rotineiro, onde muitas vezes não há dias nem calendário.  

A sociedade, refiro-me aos mais novos que nós, agora, porque um dia ocuparão o nosso espaço e serão como nós, tomou a liberdade de, pomposamente, nos rotular a geração dos "SEXALESCENTES". É uma palavra certa para o momento certo. Este neologismo surge pleno de propriedade, pois veio substituir a palavra "sexagenário" que, sinceramente, me arrepiava  ou arrepia pela sua frieza, poder limitativo e acção terminal. Mas não tenhamos ilusões, o tempo que vivemos é duro e impõe o seu ditame. A nossa geração grisalha, a minha geração ... custa escrever isto, vai envelhecendo. Daí que, seja preciso saber envelhecer saboreando a ternura e a beleza da sua essência.


Os encontros da Tabanca do Centro, são, efectivamente, uma ocasião para momentos de acolhimento partilhado, mesmo por pouco tempo que seja. Um rotineiro cumprimento de mão ou um sorriso, mesmo que tímido, são reconfortantes e levam-nos a mudar de semblante. É isto que nos impulsa aos encontros mensais, no acesso ao fortalecimento e estabilidade de uma amizade adquirida no tempo e que se pretende sedimentar. 

São 7 anos de vida e de história da Tabanca do Centro. É curioso que o número 7 é para alguns cientistas um número importante, sagrado, poderoso e perfeito. Oxalá, que os nossos encontros-convívio que temos pela frente sejam longínquos e, nesse sentido, se repitam "70X7". Optimista? Sim, até porque o número 7, de raiz hebraica, significa, exactamente, "garantir". Estaremos "garantidos" no tempo?...

Abraços
Manuel Frazão Vieira


domingo, 29 de janeiro de 2017

P875: REVISTA "KARAS" DE JANEIRO


Como habitualmente, a partir do meio-dia começou a juntar-se pessoal no Café Central, na vontade de pôr a conversa em dia e rever caras que já não via há muito tempo. Afinal, o nosso último encontro já tinha sido o ano passado, em 2 de Dezembro...


O dia de sol deu ensejo a uns tantos de se refastelarem na esplanada exterior do Café Central...


...enquanto outros preferiram abrigar-se na esplanada interior, a salvo de alguma mudança de tempo repentina ou de algum vento mais forte.


Quatro participantes inscritos pelo Mário Marques, do núcleo de Alcobaça da Liga dos Combatentes. Três deles em estreia absoluta - José Vieira, Mário Marques e Paulo Laranjo. O Amadeu J. Ferreira já era nosso conhecido destes convívios.


O Joaquim Mexia Alves e o Miguel Pessoa lá iam recebendo os participantes, uns mais habituais - como o António Maria Silva - outros que andavam fugidos há bastante tempo, embora com muitas promessas de regresso - caso do Jorge Narciso...
E no meio dos seus afazeres com os registos e fotos dos estreantes, o editor da "Karas" ainda arranjou tempo para confraternizar com o estreante João Roda, um velho camarada dos tempos da Guiné - e não só, pois ambos se cruzaram mais que uma vez na sua vida profissional na Força Aérea.


O João Lopes é mais um elemento da Força Aérea presente nos nossos convívios. Estreou-se pelas mãos do José Pimentel de Carvalho, que o inscreveu à última hora... Aqui, os dois à conversa com o José Quintas e o Vitor Junqueira.
Na imagem da direita vemos, de costas, outro estreante - o Júlio Martins Baltazar - em conversa animada com o Manuel Ferreira da Silva, Carlos Oliveira e Manuel da Ponte. 


Rebuscando no seu baú de memórias, o nosso camarigo JERO descobriu um papel misterioso, velho de há quase 50 anos, cujo conteúdo ele gostaria de decifrar. Na verdade, nem sabemos se estaremos a apresentar o papel de pernas para o ar...


Estava na hora de nos dirigirmos para o local da refeição, a dois passos do Café Central. E o pessoal rapidamente se dispôs ao longo das duas mesas corridas preparadas para o efeito.
Vemos em primeiro plano o trio representante de Aveiro - Carlos Augusto Pinheiro, José Luís Malaquias e Manuel Reis (Faltou o 4º elemento, o Carlos Prata). Mais afastados ainda se conseguem reconhecer o José Luís Rodrigues, Carlos Manata e Vitor Caseiro.


Três casalinhos neste canto da mesa: Agostinho Gaspar (totalista dos nossos convívios!) e Isabel, Manuel da Ponte e Maria Emília e António Frade e Maria Helena.
O Manuel Kambuta Lopes apresentou-se em baixo de forma, com uma indisposição que lhe tirou grande parte do ânimo. Mesmo assim, ainda com forças para um carinho para com a "namorada" Hortense.


O José Luís Rodrigues como de costume foi dos primeiros a inscrever-se para este convívio; o Carlos Manata  é menos apressado, mas chegou bem a tempo de participar neste nosso aniversário.
O Luís Marcelino e o Manuel Frazão Vieira ficaram lado a lado. Este último juntou-se-nos há pouco tempo mas nitidamente gostou do ambiente... e não tem faltado. E contamos com ele para colaborar com textos para publicação no blogue; o primeiro já saiu e o segundo está a caminho...


O Vitor Junqueira, depois de um afastamento do nosso convívio tem sido mais certinho e tem aparecido com alguma assiduidade. O José Quintas e o Pimentel de Carvalho também são caras já conhecidas, sendo que este último já pode lavar a loiça e cozinhar a preceito lá em casa, pois acaba de receber o avental da Tabanca do Centro que tinha encomendado... 
O veterano Domingos Santos partilha a mesa com o Mário Marques, que à sua conta inscreveu quatro camaradas - três deles são estreia absoluta. 


O grupo de Torres Novas surgiu bastante composto, o que dificulta a foto de grupo. Optámos por fazer a "dobradinha" para apanhar todos - Carlos Pinheiro, Manuel Ramos, Alexandre Fanha, João Rodrigues, Lúcio Vieira e Manuel Rodrigues.


Tivemos o prazer de voltar a ter a presença do Rui Pedro Silva, que apresentava até agora grande dificuldade em conjugar a sua actividade profissional com a disponibilidade para a última 6ª feira do mês; a mudança para 4ª feira veio facilitar-lhe a vida...
Na mesa vemos ainda um ramalhete composto pelo Carlos Oliveira, Carlos Santos e Raul Santos.
E a Giselda divide as atenções entre a Hortense e a Dulce, o "braço direito" da D. Preciosa.


O Baltazar Rosado Lourenço vai dando apoio logístico ao Rui Marques Gouveia, que como tem sucedido nos últimos convívios, teve a companhia do cunhado José Jesus Ricardo.
E, libertos desta vez de quaisquer compromissos com a guarda dos netinhos, o António Fernando Marques e a Gina, representantes da Linha, puderam desfrutar por mais tempo da companhia dos camarigos da Tabanca do Centro


Também da Linha (mas agora da de Sintra...) tinhamos este simpático casal - Luís R. Moreira e Irene - a viver momentos felizes... de tal modo que o Luís resolveu encomendar um avental da Tabanca do Centro para ajudar nas lidas da casa. Entregue a encomenda, o material foi logo ali experimentado, sob o olhar atento do António Maria Silva, que de imediato resolveu encomendar um igual...


Estava na hora das habituais palavras dirigidas pelo Régulo da Tabanca Joaquim Mexia Alves; e pelo ar sorridente dos ouvintes a coisa até correu bem... E naturalmente a atenção foi dirigida para o nosso aniversário - o sétimo - e para o êxito desta nossa iniciativa, que tem trazido um número crescente de participantes e também caras novas em todos os convívios.


Encerrou-se o nosso convívio da melhor maneira, com uma homenagem mais do que merecida a um colaborador incansável e dedicado - o Paulo Moreno - sob a forma de um louvor que o Amado Chefe fez questão de lhe entregar, reflectindo o apreço da Tabanca do Centro pelo apoio que o Paulo tem prestado a todas as nossas iniciativas.



Claro que não podíamos ir embora sem pagar a conta... e disso se encarregaram os tesoureiros de serviço - Vitor Caseiro e Carlos Santos - com a competência do costume e a colaboração esforçada dos pagantes.
E agora é só um bocadinho até ao próximo encontro, o 59º. É já em 22 de Fevereiro, como aqui anuncia o Kambuta, fazendo das tripas coração. EhEh! Não rima mas é verdade...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

P872: CAPITÃES DE UM IMPÉRIO

O PONTÃO

No final dos anos sessenta alguns Capitães já estavam a cumprir uma terceira comissão de serviço algures na mata africana.

Um desses Capitães comandava uma Companhia de Atiradores colocada em Aldeia Formosa que, entre outras missões, era responsável pelas escoltas às várias colunas de abastecimentos em géneros e material que partiam de Buba com destino a Aldeia Formosa e Gandembel.

Minas, fornilhos, emboscadas e, não menos, inundações provocadas pelas chuvas,  faziam um escasso percurso de algumas dezenas de quilómetros demorar por vezes dois dias a completar.

Depois de inúmeros "atascamentos" de viaturas sobrecarregadas alguém terá informado o Capitão da existência de um pontão desmontável algures num armazém de Engenharia em Bissau.

Foram enviadas sucessivas mensagens ao Quartel-general de Bissau, com conhecimento aos responsáveis pelo material de Engenharia, solicitando o "empréstimo" do pontão referido, pelo menos durante a época das chuvas.

As respostas recebidas (e foram várias) eram sempre iguais:
- “Não existe à carga dos nossos armazéns nenhum pontão desmontável como o referido no pedido.”

Depois de mais algumas colunas com "atascamentos" vários, o Capitão aproveitou o facto de se tornar necessário trocar em Bissau uma velha camioneta por uma outra (menos velha…) para, com alguns soldados, acompanhar a viatura na sua viagem a bordo de uma lancha da Marinha rumo a Bissau.

Como tudo estava preparado, a troca foi rápida, e ficaram com um dia livre em Bissau até terem novo transporte da marinha para Buba. Esse dia foi usado, (entre outras coisas!), para "experimentar" a viatura.

Um simples acaso levou-os até aos armazéns onde o tal pontão estava guardado. Era hora do almoço, ninguém se encontrava nas redondezas do armazém, e a porta estava aberta (alguém me disse posteriormente..."quase" aberta…).

Como por milagre as diversas partes do pontão surgiram sobre a camioneta, seguindo-se uma discreta e inocente retirada do local.

Meses mais tarde e depois de o pontão ter sido usado inúmeras vezes, chega a Aldeia Formosa mensagem do Quartel-General (QG) exigindo a presença imediata do Capitão.

De regresso de férias em Lisboa, encontro o referido Capitão (por quem sentia profundo respeito, tanto pela sua coragem em combate como por muitas outras qualidades pessoais) precisamente quando este se dirigia para o QG.

Convidou-me de imediato a acompanhá-lo, pedindo-me para segurar uma volumosa pasta enquanto ele tivesse o encontro com o "Chefe" que o chamara.

Aguardei no corredor frente ao gabinete.

Como a porta se mantinha aberta tive oportunidade, não só de ouvir o que lá se dizia, como de verificar que, apesar de existirem várias cadeiras colocadas junto à secretária do "Chefe”, este não convidou o Capitão a sentar-se como seria  habitual (recordo ter pensado: Vai haver merda!)

"Oiça lá... nosso Capitão!  Fomos informados de que está a  utilizar material de Engenharia, um pontão desmontável, retirado de um armazém sem qualquer autorização ou sequer conhecimento do facto por parte dos responsáveis.
Clarinho, clarinho para militar entender, eu chamo a isso: Roubo!
Com que termo é que o nosso Capitão define este facto?"

(Ainda no corredor, tornei a pensar: Não vai haver merda, vai haver montes de merda!)

Foi então que, (para meu espanto!),o Capitão pediu autorização para me fazer entrar no gabinete, informando o "Chefe" que eu tinha em meu poder uma pasta com documentos relacionados com o assunto em causa.

Entreguei-lhe a pasta.  Abrindo-a, colocou respeitosamente sobre a secretaria as várias mensagens recebidas em Aldeia Formosa em resposta às requisições feitas sobre o pontão.

Mantendo-se em rígida posição militar de "sentido" comentou:
- “Saiba Vexa. que me é impossível roubar do material de Engenharia um pontão desmontável que, e segundo todos os documentos que apresento, não existe em todo o Comando Territorial Independente da Guiné!”

Depois de ler e reler cuidadosamente  os documentos à sua frente, é difícil descrever o olhar que o Exmo. Hierarca dirigiu ao Capitão.

"Pode-se retirar e voltar para a Companhia. Será oportunamente informado de qualquer procedimento!"

O tempo passou, as nossas respectivas comissões terminaram, a nossa forte amizade pessoal manteve-se.

Anos mais tarde, voltei a encontrá-lo quando ele comandava o Regimento de Artilharia de Cascais, sentado num gabinete e do outro lado de uma secretária... em tudo semelhante á do Quartel-general de Bissau.

Depois da rígida continência "da ordem" disse-lhe desde a porta:

- “Desculpe meu Coronel mas esqueci-me da pasta com os documentos!".

Um abraço do
José Belo

Nota: Para ilustrar o texto socorremo-nos de imagens retiradas da Net, que reproduzimos com a devida vénia ao Blogue da Reserva Naval (LDG) e Luís Graça & Camaradas da Guiné (as restantes).
Os editores

domingo, 22 de janeiro de 2017

P871: AGORA EM 2ª EDIÇÃO


O nosso camarigo Lúcio Vieira chama-nos a atenção para o lançamento da 2ª edição da sua recente obra "Contos das Terras d'Água", agora com nova apresentação gráfica.

Lembramos que recentemente publicámos poemas deste nosso camarada que poderão rever neste blogue. 

Basta que na janela de pesquisa (canto superior esquerdo) digitem P763, P782 ou P860.

Aqui fica imagem da capa desta sua obra, agora na 2ª edição, já à venda nas livrarias ou através do e-mail:


edicao@edicoesvieiradasilva.pt


                 2ª. EDIÇÃO
nova apresentação gráfica


O Ribatejo da borda d´água, numa admirável  simbiose de estórias, tecidas pela alma dos rios, da terra, e das gentes da charneca e da lezíria”


                                                                                                                            Mário Santillana



quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

P869: A PROPÓSITO DE UM DESABAFO

ERRANTES E CAMINHANTES

Manuel Frazão Vieira
Uma saudação a todos os companheiros ex-combatentes, da Tabanca do Centro, em especial ao nosso companheiro-mor, Joaquim Mexia Alves.

Li, apreciei e notei a sua "revolta", face aos atropelos e devaneios que envolvem a nossa sociedade, ainda, instável, não obstante alguma serenidade e paz social e optimismo que se desejam, mas sem dinheiro nos bolsos, carente de valores e objectivos, em visível dificuldade.

Como eu compreendo o seu "desabafo" e "revolta", mister dos tempos que correm, numa luta pessoal de procura e apaziguamento contra a ordem e o paradigma societário dos anseios e comportamentos humanos que nos envolvem.

Neste mundo de virtudes, defeitos e contradições, todos somos errantes e caminhantes. Errantes, sim, porque somos humanos, falíveis e assíduos mergulhadores nas águas do mal. Caminhantes desde sempre, mas aliados com a imperfeição, o erro, a dúvida e a mesquinharia, procurando o equilíbrio e a segurança na obtenção do melhor esteio para a vida. Não nos é lícito parar - somos caminhantes.

Faz mal parar, porque quem está parado, quem não caminha, corrompe-se. Estou a lembrar-me da água parada, a água estagnada, a água que não corre ... fica corrompida. Para nós, seres pensantes, não basta "girar". Não se pode confundir o "caminhar" com o "girar". Os que giram são errantes, não têm caminho definido, nem rumo, porque giram para aqui, giram para ali, sem caminharem na vida. Não são caminhantes.

A "revolta" e o "desabafo" do bom amigo e camarigo Joaquim Mexia Alves são, no fundo, as necessidades, o anseio e a insatisfação resistente do que deveria ser e não é. É a luta de todos nós caminhantes.

Um bom "desabafo" com suporte, civismo e dignidade é salutar e faz-nos bem, se emitido na hora certa ou momento oportuno. Liberta-nos de um certo "quid" enrolado na garganta que nos afecta, alivia a mente e robustece o "animus".  Quantas vezes a nossa vida é um labirinto, porque vagueamos para aqui, vagueamos para ali e, porque, não sabemos caminhar. Falta-nos audácia e combatividade para caminhar e seguir em frente.

Há, na verdade, um momento único, belo e concertante na nossa vida de ex-combatentes da Tabanca do Centro, que são os encontros mensais de amizade e convívio consubstanciados em lautos e reconfortantes almoços. Aqui se alicerçam conversas e se reforçam amizades de antanho. É, de resto, um momento de libertação. Há um dever de memória nestes encontros em que, lado a lado, recordamos nacos da nossa história pessoal, militar e até familiar, deixando para trás o "silêncio dos arquivos".

São presenças com um alcance enorme onde se fala, recorda e, porventura, se desabafa. São encontros de vida e de vidas com histórias e acontecimentos que a cada um pertencem e a todos enriquecem. Somos os homens que, sem pedir ou requer, um dia nos levaram a conhecer novas terras, novas gentes e outras culturas. Suportámos a dureza da uma vida num ambiente desconhecido e soubemos ultrapassar as dificuldades reconhecidas e a incerteza futura criada num malfazejo cenário de guerra, onde a vida ou a morte marcavam os seus ditames.

Somos nós, aqueles jovens da década de 60 e 70 do Séc. XX que, hoje, nestes saudáveis convívios se reconfortam e dão asas ao coração recheado de saudade e afectos que impõem nestes encontros tempos de paixões, recordações, de encanto e desencanto.    

Na minha última presença no almoço-convívio, a certa altura, veio-me à mente a seguinte questão: afinal, o que é que arrasta toda esta "rapaziada" da minha geração, ex-combatentes, uns mais velhos, outros nem tanto, a estes convívios mensais imbuídos numa atitude afectiva sem limites, ao jeito de uma espiritualidade de sentimentos?

Poderão ser várias as respostas ou motivações. Para mim, retive-me numa: a necessidade de dar vida e manter uma amizade nascida num tempo de recruta ou de especialidade ou já no TO. Foram amizades criadas num tempo tão jovem, com idades entre os 19 e 22 anos, em que o lema requeria espírito de camaradagem, solidariedade e companheirismo, onde se compartilharam sentimentos, angústias, numa idade de sonhos, ambições e desilusões. Nestas idades tão jovens e sonhadoras tudo fica registado e formatado até que a memória o não ignore e o tempo o não apague. Criaram-se raízes, a árvore da amizade cresceu, há que a regar, cultivar e sustentar.

É o que se está a fazer, em Monte Real. Reforça-se a memória, enquanto  "consciência de um povo inserida no tempo" - Fernando Pessoa.

A foto com os dois amigos tabanqueiros que o nosso bom camarigo Joaquim Mexia Alves se dignou publicar no seu texto "Desabafo", in Tabanca do Centro, é a mensagem real do que se pretende, isto é,  a manutenção e continuidade de uma amizade presente que se quer reconhecida no tempo e para o tempo.

Leiria, 18 de Janeiro de 2017
Manuel Frazão Vieira 


sábado, 14 de janeiro de 2017

P867: DESABAFO

ESTOU CANSADO!

Sento-me nas minhas memórias e deixo-me assim ficar um pouco.

Estou cansado!
E não sei bem do que estou cansado!

Apetece-me voltar a uma ou outra tarde na Guiné, no planalto do Mato Cão, sentar-me na minha cadeira, com uma cerveja na mão, e deixar-me ficar ali, sem ontem, sem amanhã, apenas e só naquele momento.

Como é possível que pelo meio da guerra houvesse momentos em que sentia uma paz imensa, uma quietude silenciosamente empolgante, uma serenidade quase divina que naqueles momentos nada poderia afectar.

No fundo era quase uma fuga do mundo, embora o mundo me rodeasse.

Afinal talvez perceba porque estou cansado.
Provavelmente estou cansado deste mundo que me parece cada vez mais egoísta, o que é curioso, porque cada vez mais se fala em solidariedade, em ajudar os outros, etc., etc.

Tenho sinceramente saudades do tempo em que os homens apertavam as mãos e assim selavam negócios, construíam amizades, estabeleciam sociedades e se ajudavam mutuamente a cumprir os seus compromissos.
De quando não tinha que se interpretar o que os outros diziam, porque o que eles diziam, tal como nós, era límpido e sem subterfúgios, pelo menos de uma maneira geral.

Tenho saudades dos tempos em que se davam dois murros e se levavam três e depois se ia beber uma cerveja, porque estava tudo resolvido.
Agora só se se for beber a cerveja ao hospital enquanto somos tratados da facada, ou do tiro que levámos, por nos termos esquecido do tempo em que vivemos.

Por isso cada vez mais prezo a companhia dos combatentes, em que damos abraços, dizemos asneiras, rimos, gargalhamos, até nos zangamos para depois fazermos as pazes, e por vezes até choramos, mas temos sempre um ombro amigo para enxugar as lágrimas.

Estou cansado, mas só até ao próximo almoço da Tabanca do Centro!


     Monte Real, 14 de Janeiro de 2017
     Joaquim Mexia Alves