ERRANTES E CAMINHANTES
Manuel Frazão Vieira |
Uma saudação a todos os
companheiros ex-combatentes, da Tabanca do Centro, em especial ao nosso
companheiro-mor, Joaquim Mexia Alves.
Li, apreciei e notei a sua
"revolta", face aos atropelos e devaneios que envolvem a
nossa sociedade, ainda, instável, não obstante alguma serenidade e
paz social e optimismo que se desejam, mas sem dinheiro nos
bolsos, carente de valores e objectivos, em visível dificuldade.
Como eu compreendo o
seu "desabafo" e "revolta", mister dos tempos que
correm, numa luta pessoal de procura e apaziguamento contra a ordem e
o paradigma societário dos anseios e comportamentos humanos que nos
envolvem.
Neste mundo de virtudes,
defeitos e contradições, todos somos errantes e caminhantes. Errantes, sim,
porque somos humanos, falíveis e assíduos mergulhadores nas águas do mal.
Caminhantes desde sempre, mas aliados com a imperfeição, o
erro, a dúvida e a mesquinharia, procurando o equilíbrio e a
segurança na obtenção do melhor esteio para a vida. Não nos é lícito
parar - somos caminhantes.
Faz mal parar, porque quem está
parado, quem não caminha, corrompe-se. Estou a lembrar-me da água parada, a
água estagnada, a água que não corre ... fica corrompida. Para nós, seres
pensantes, não basta "girar". Não se pode confundir o
"caminhar" com o "girar". Os que giram são errantes,
não têm caminho definido, nem rumo, porque giram para aqui, giram para
ali, sem caminharem na vida. Não são caminhantes.
A "revolta" e o
"desabafo" do bom amigo e camarigo Joaquim Mexia Alves são, no
fundo, as necessidades, o anseio e a insatisfação resistente do que
deveria ser e não é. É a luta de todos nós caminhantes.
Um bom "desabafo" com
suporte, civismo e dignidade é salutar e faz-nos bem, se emitido na hora
certa ou momento oportuno. Liberta-nos de um certo "quid"
enrolado na garganta que nos afecta, alivia a mente e robustece o
"animus". Quantas vezes a nossa vida é um labirinto, porque
vagueamos para aqui, vagueamos para ali e, porque, não sabemos caminhar.
Falta-nos audácia e combatividade para caminhar e seguir em frente.
Há, na verdade, um momento único,
belo e concertante na nossa vida de ex-combatentes da Tabanca do
Centro, que são os encontros mensais de amizade e convívio
consubstanciados em lautos e reconfortantes almoços. Aqui se
alicerçam conversas e se reforçam amizades de antanho. É, de resto,
um momento de libertação. Há um dever de memória nestes encontros em que,
lado a lado, recordamos nacos da nossa história pessoal, militar e até
familiar, deixando para trás o "silêncio dos arquivos".
São presenças com um alcance
enorme onde se fala, recorda e, porventura, se desabafa. São encontros de
vida e de vidas com histórias e acontecimentos que a cada um pertencem e
a todos enriquecem. Somos os homens que, sem pedir ou requer, um
dia nos levaram a conhecer novas terras, novas gentes e outras
culturas. Suportámos a dureza da uma vida num ambiente desconhecido e
soubemos ultrapassar as dificuldades reconhecidas e a incerteza futura criada
num malfazejo cenário de guerra, onde a vida ou a morte marcavam os seus
ditames.
Somos nós, aqueles jovens da
década de 60 e 70 do Séc. XX que, hoje, nestes saudáveis convívios se
reconfortam e dão asas ao coração recheado de saudade e afectos
que impõem nestes encontros tempos de paixões, recordações, de encanto
e desencanto.
Na minha última presença no
almoço-convívio, a certa altura, veio-me à mente a seguinte questão: afinal, o
que é que arrasta toda esta "rapaziada" da minha geração,
ex-combatentes, uns mais velhos, outros nem tanto, a estes convívios
mensais imbuídos numa atitude afectiva sem limites, ao jeito de uma
espiritualidade de sentimentos?
Poderão ser várias as respostas
ou motivações. Para mim, retive-me numa: a necessidade de dar vida
e manter uma amizade nascida num tempo de recruta ou de especialidade
ou já no TO. Foram amizades criadas num tempo tão jovem, com idades entre os 19
e 22 anos, em que o lema requeria espírito de camaradagem,
solidariedade e companheirismo, onde se compartilharam sentimentos,
angústias, numa idade de sonhos, ambições e desilusões. Nestas idades tão
jovens e sonhadoras tudo fica registado e formatado até que a memória o não
ignore e o tempo o não apague. Criaram-se raízes, a árvore da amizade
cresceu, há que a regar, cultivar e sustentar.
É o que se está a fazer, em
Monte Real. Reforça-se a memória, enquanto "consciência de um povo
inserida no tempo" - Fernando Pessoa.
A foto com os dois amigos
tabanqueiros que o nosso bom camarigo Joaquim Mexia Alves se
dignou publicar no seu texto "Desabafo", in Tabanca do
Centro, é a mensagem real do que se pretende, isto é, a
manutenção e continuidade de uma amizade presente que se quer reconhecida no
tempo e para o tempo.
Leiria, 18 de Janeiro de 2017
Manuel Frazão Vieira
3 comentários:
A revolta e o desabafo manifestados pelo Mexia Alves em virtude das dificuldades sociais, serão resultado do espírito crítico da educação cívica que terá adquirido por sua conta, ou herdada de família, já que o Estado, desde que me lembro, nunca teve essa preocupação de apetrechar o povo com o saber que estimula ao inconformismo, ao debate de diferentes problemas de âmbito colectivo, nem à cidadania activa; condições que valorizam o Bem Comum e protegem o Interesse Público.
A nossa sociedade ainda é manipulada com imensa facilidade, e ao Estado, como às organizações políticas, sobram meios colectivos para pagar assessorias convenientes sobre o domínio que exercem, enquanto desprezam a educação e formação cívica que valorize os cidadãos. Há, pois, que descobrir e incrementar fórmulas de auto-desenvolvimento social que nos apetrechem ao confronto com o isolamento subserviente em relação aos poderes organizados no sistema ditatorial. Não são os votos de quatro em quatro anos que garantem um sistema democrático, conforme, aliás, os últimos quarenta e picos anos são demonstração irrefutável de demagogia e desprezo pela Nação.
Abraços fraternos
JD
Meus queridos camarigos
Muito obrigado pelas vossas palavras, pela vossa solidariedade, mas sobretudo por me fazerem sentir que ainda há muita gente que pensa e acredita nos valores da honra, da honestidade, da franqueza, da verdade e da amizade.
Para todos vós, um enorme e amigo abraço do
Joaquim
Parabéns Camarigo Manuel Frazão Vieira. Excelente texto que se lê e relê com pleno agrado.E que sinto necessidade em sublinhar quando se refere à necessidade de«... dar vida e manter uma amizade nascida num tempo de recruta ou de especialidade ou já no TO. Foram amizades criadas num tempo tão jovem, com idades entre os 19 e 22 anos, em que o lema requeria espírito de camaradagem, solidariedade e companheirismo, onde se compartilharam sentimentos, angústias, numa idade de sonhos, ambições e desilusões. Nestas idades tão jovens e sonhadoras tudo fica registado e formatado até que a memória o não ignore e o tempo o não apague. Criaram-se raízes, a árvore da amizade cresceu, há que a regar, cultivar e sustentar.» Termino recordando o lema da minha CCaç.675. (A Amizade) Nunca Cederá.JERO
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