sábado, 30 de janeiro de 2016
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
P756: VELHOS HÁBITOS
UMA VEZ
MILITAR …
Fui militar durante 4 anos da minha vida
(1962-1966).
Em conversa recente com um amigo
lembrei-me - porque nunca o esqueci - de uma história, no mínimo invulgar, que
me aconteceu na vida civil.
Passou-se no Verão de 1975 ou 1976.
Estava na praia de S. Martinho do Porto, devidamente “equipado” para tomar
banho.
Corria de calções junto ao mar quando
vejo ao longe uma figura que me pareceu familiar.
O porte altivo e uma postura desenvolta
lembravam-me o meu Comandante de Batalhão dos tempos da Guiné ! Aproximei-me e
era mesmo ele.
De roupão de banho, descalço e com a
toalha na mão ali estava o Coronel Fernando Cavaleiro.
Instintivamente pus-me em sentido e
apresentei-me.
- O meu Coronel dá-me licença? Tive a
honra de servir sob as suas ordens no Bat. 490.
Estacou e ainda antes de me apertar a
mão perguntou-me: - A que companhia pertencias?
Respondi de imediato: - À “675”, meu
Coronel..
- À C.Caç. 675. Ah já sei. A do Tomé
Pinto. Foi um grande oficial e teve uma Companhia das melhores.
Pus-me à vontade e tive direito ao seu
aperto de mão. Caminhámos juntos algumas dezenas de metros.
Soube que tinha estado preso em Caxias
durante 10 meses (nos tempos do PREC). Sem culpa formada e sem qualquer
interrogatório.
Disse-o sem queixumes. Altivo e
"teso" como sempre o tinha conhecido.
Despedi-me e regressei lentamente para
junto da minha família. Contei-lhes o que se tinha passado.
Tinha estado em "sentido" em calções de banho!
Tinha cumprido um ritual da vida
militar... à civil.
Um ritual de que me orgulho e que
recordo com saudade. Os valores do respeito, da dignidade e da honra estão cá… Uma
vez militar… militar toda a vida!
JERO
Nota: Segundo o portal Ultramar Terraweb, Fernando Cavaleiro, de seu nome completo
Fernando José Pereira Marques Cavaleiro, terá nascido em 1920. Notabilizou-se sobretudo no T.O. da Guiné,
onde esteve de 22 de julho de 1963 a 12 de agosto de 1965. Foi o comandante do
BCav 490. Nessa qualidade comandou as forças terrestres da Op. Tridente, que
decorreu na Ilha do Como entre 15 de janeiro e 23 de março de 1964.
Foi
agraciado com uma Medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe (em 1964) e com uma
Medalha de Cruz de Guerra de 1ª classe (em 1966), ambas por feitos em combate.
Faleceu no dia 03 de Agosto de 2012 com 95 anos.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
P754: NO LANÇAMENTO DO LIVRO DO JUVENAL AMADO
"A TROPA VAI FAZER DE TI UM HOMEM!"
A
sala do Chiado Clube Literário e Bar, na Galeria Comercial Tivoli Forum, em
Lisboa, mostrou-se pequena para albergar o grupo de amigos do Juvenal Amado que
quiseram estar presentes na apresentação do seu livro “A Tropa vai fazer de ti
um Homem!”.
Correndo
o risco de falhar nomes dos combatentes presentes (o escriba de serviço
limita-se a referir aqueles que conhece…) pudemos registar a presença do
Virgínio Briote, Cláudio Moreira, Manuel Joaquim, Carlos Silva, José Brás, Rui
Pedro Silva, Armando Pires, Hélder Sousa, Giselda Pessoa e Miguel Pessoa, para
além de outros bloguistas (caso da Felismina Costa), amigos pessoais do Juvenal
e seus familiares – a esposa Manuela e a filha Vanessa.
Na
mesa, para além da representante da Editora e do autor, esteve o nosso camarada
Helder Valério Sousa, convidado pelo Juvenal para apresentar a obra… e o perfil
do nosso camarigo Juvenal, de que realçou o seu carácter de homem bom,
solidário e amigo do seu amigo, características bem vincadas no texto que escolheu
para ler, um pequeno episódio incluído no livro agora publicado.
Precavido,
o Juvenal tinha preparado a sua intervenção escrita, cuja leitura foi
dificultada pela emoção do momento, o que levou o Hélder Sousa a terminar a
leitura do texto preparado pelo autor do livro.
Verificámos
uma boa afluência de pessoal interessado na aquisição do livro, que o Juvenal teve o gosto de autografar, antes e depois da
sessão de apresentação.
Fica
para o fim uma foto do nosso camarada Juvenal Amado, um homem feliz com esta
sua realização, na companhia da filha Vanessa, de uma amiga de
família - a Rosa Caramba, viúva de um seu camarada - e da esposa Manuela.
Reproduzimos mais em baixo a intervenção do nosso camarada Juvenal Amado, lida (a meias com o Hélder Sousa...) no decorrer deste encontro.
E lembramos que no próximo dia 29 de Janeiro o Juvenal estará presente em Monte Real para apresentar esta sua obra aos camarigos da Tabanca do Centro, por ocasião do seu 50º Encontro, uma segunda oportunidade para quem quiser adquirir o livro agora editado.
Miguel
Pessoa
A INTERVENÇÃO DO JUVENAL AMADO
Caros camaradas, amigos e familiares:
Poderá discutir-se até à exaustão, os benefícios ou malefícios de se ter ido ou
não à tropa.
Deixar o emprego, a namorada, a casa e o conforto da casa
paterna, perder a identidade e passar a ser um número mecanográfico.
A partir dali perdíamos a autonomia social, mandavam em nós
até nas pequenas coisas, como se fez a barba ou não, a enorme chatice que era
ter um botão desabotoado, as botas mal engraxadas, não se poder sair sem
licença prévia, perder o direito de nos vestirmos como nos aprouvesse e termos
que cumprimentar até com quem estávamos chateados, no caso de ser nosso
superior.
Por outro lado ir para a tropa era como chegar à idade
adulta, sair da alçada da família, satisfazer algum fascínio pelas armas e, porque
não, algum desejo de aventura.
Sem esperar arranjámos amigos. Embora sem saber, esses
ficaram para toda a vida
Eles foram chegando e partindo engolidos pelas rápidas
transformações que a vida militar ditava.
Depois de mobilizados, encontrávamos
os que connosco viveram mais tempo, nos destacamentos no tempo que duraram as
comissões e quando estas acabaram, despedimo-nos. Muitos de nós não nos tornámos
a ver, o que à partida parecia impossível dado os laços que se criaram em zona
de conflito.
Desembarcado, rapidamente tentei esquecer aqueles dois anos e
pico e durante 20 anos limitei-me a trocar alguma mensagem, alguma visita a dois
ou três, fui ao casamento do Ivo, do Caramba e do Silva. Conheci os filhos
bebés.
Mas as coisas nunca se passam como nós inicialmente pensamos
e, à medida que avançamos na idade, o passado vem ter connosco de várias formas
e nem sempre pacífica. Foram os almoços da Companhia, ir à procura das
fotografias antigas, olhar para as imagens e tentar lembrar os nomes, acabando por
pôr em marcha um mecanismo de recordações e afectos que julguei já não existir.
Depois, aconteceu encontrar amigos ao longo dos anos
seguintes e, quando esperava alguma solidão, eles multiplicaram-se e enchem
hoje muitos álbuns de memórias que nos ligam, forjadas em situações iguais ou
parecidas, que criam novos laços a todo o momento.
Este é um projecto a caminho dos 8 anos, inicialmente sem pretensões de o ver
passado a livro, o que acabou por acontecer.
Nele tento transmitir sem ódios, sem paixões sem remorsos,
sem falsas modéstias sem puritanismos, sem vencedores nem vencidos, sem
saudades excessivas que me toldassem o raciocínio, sobre um tempo que passou da
minha juventude do qual ficaram os rostos e datas, que jamais poderei esquecer. Pelo menos foi sempre essa a minha intenção.
Está claro o que outros pensam de nós, está um bocado além do
que podemos fazer. Porque ao nortearmo-nos pelos nossos princípios e seguirmos
os nossos impulsos ao expor o que achamos correcto, nunca cederemos ao mais
fácil, e assim nunca agradaremos ao mesmo tempo
a gregos e a troianos.
O que está dito está
dito e só o oiro agrada a todos.
Pode ter sido mal exposto ou mal interpretado, mas ficou
gravado assim e assim ficará na versão que cada um julgar mais consentânea com
a sua forma de pensar, ou no seu juízo de valor.
O tempo ensinou-me que não há verdades nem certezas
absolutas.
Nada há a fazer quanto a isso, mas também nada pretendo
fazer, pois alterar o que vi ou que penso sobre o que me levou a ir combater em
terras da Guiné ainda hoje está inalterável na minha cabeça - negá-lo seria uma desonestidade a que nunca
me sujeitaria.
Porventura as minhas motivações ou razões serão iguais ou
parecidas às de milhares de jovens que para lá foram ao longo dos 13 anos de
guerra, com a generosidade e ingenuidade dos nossos 20 anos.
Resta-me assim esperar que para além do que possam discordar,
vejam a honestidade com que apresento à vossa consideração as passagens de vidas
sem nada de extraordinário, mas verdadeiras.
Não podia escrever este livro de outra maneira. Ele não aconteceu, foi acontecendo lentamente e foi assim que
amadureceu.
Nestes anos muita coisa se alterou, muitos partiram, mas também muitos chegaram
para me dar alento e mostrar que não era em vão o trabalho a que meti ombros.
Todos deixaram marcas, no tempo que passei com eles. São as suas vidas,
histórias e a sua riqueza humana, que valorizaram o que escrevi.
Nada mais valioso do que poder fazer deles também autores, de
que me servi na concepção deste livro.
Nada teria sido escrito sem as suas palavras, sem as nossas
conversas, sem as suas vivências e o seu . incentivo ou as suas críticas.
Espero que não o entendam como relatório de operações pois
não é disso que se trata. Trata-se de situações vividas, compiladas, reunidas
sem rigor histórico. Interessam sim as personagens, todas elas reais, de carne
e osso, que comigo conviveram em dado momento bom ou mau.
As dúvidas foram e são muitas, certezas praticamente
nenhumas. Não há volta a dar.
As razões foram tão diferenciadas como diferenciadas foram as
condições e evolução ao longo dos anos
da guerra. Alterou-se o armamento, o equipamento, mas também a maneira de
encarar o conflito. Também foi crescendo a contestação ao mesmo.
O estado de espirito com que foram os jovens em 1962, terá
sido bem diferente dos que foram comigo em 1971.
Mas nenhum livro porá uma pedra final sobre o assunto e a
discussão sobre o conflito, bem como as consequências do fim dele, as condições
da nossa retirada do teatro de operações, alimentarão as tertúlias de ex-combatentes
durante muitos anos.
Diz-se que a História só deve ser escrita de 100 em 100 anos,
por isso só após o nosso desaparecimento físico o que se escreveu merecerá a
atenção de historiadores que, livres da nossa visão apaixonada, sem terem que
tomar partido, sem terem que dizer o que esteve certo ou que esteve errado,
talvez consigam colocar-nos no lugar da História, lugar esse que será de todos
os ex-combatentes por direito e sem excepção.
Disse anteriormente que foi um processo solitário, resta-me
também deseja-lo solidário.
Naquele tempo tínhamos pouco tempo para sermos meninos e
jovens, mas não sei se foi a Tropa que Fez de Mim um Homem.
A todos os presentes quero agradecer a vossa presença, que
encaro como testemunho vivo da vossa estima. Bem hajam por isso.
Quero aqui deixar uma
palavra especial para o Luís Graça, para Hélder Valério, Carlos Vinhal,
ao Belarmino Sardinha, ao José Brás e ao
dr. Nuno Miguel Ferreira Oliveira que fez a correcção de texto.
Por último, quero agradecer à minha mulher e filha, por tudo
o que me deram ao longo das suas vidas, em que não contabilizaram nem
regatearam o seu amor.
Sem elas nunca seria o homem que sou.
Muito obrigado.
Juvenal
Amado
E, para terminar, uma última foto, com dizeres da autoria do próprio Juvenal Amado... Ele lá sabe!
sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
P753: JUVENAL AMADO - O PORQUÊ DE UM TÍTULO
Ainda a propósito do livro do Juvenal
Amado, “A tropa vai fazer de ti um homem!”, recebemos deste nosso camarigo um
texto em que ele aprofunda as razões que o levaram a escolher este título para
a sua obra.
Lembramos que o lançamento oficial do livro
se realiza amanhã, 23 de Janeiro, em Lisboa, (ver pormenores aqui) e que, de aqui a mais alguns
dias, em 29 de Janeiro, o Juvenal irá apresentar esta sua obra no decorrer do
nosso 50º convívio, em Monte Real, onde poderá ser adquirida pelo pessoal
presente.
Aqui fica o texto…
…………………………………………………………………………………………..
Escrevi este texto com o objectivo de descodificar o
termo "na tropa vão fazer de ti um homem" que era muito usado na
minha região.
A foto mais abaixo é de um grupo de
"motoqueiros", para aí de 1965, e talvez aqueles tenham servido de
inspiração a Dennis Hopper, Peter Fonda e Jack Nicholson no filme de culto “Easy
Rider”, que estreou em 1969…
Bem, este pessoal é de Alcobaça. Eu era puto ao pé
deles e nunca tive uma motorizada, a não ser dois ou três anos depois de vir da
Guiné. Já não tinha idade para maluqueiras em duas rodas…
JA
LÁ IRÁS
PARA ONDE O PAGUES
Na
década de sessenta com a guerra ainda em expansão, nós os miúdos olhávamos para
ela como coisa longínqua. Na verdade ela ia atingindo as famílias de tal forma,
que só tornava importante quando sabíamos que alguém perto de nós tinha sido
mobilizado.
Aceitávamos
como um assunto para nos preocuparmos na devida altura.
Eu
tinha dezasseis anos quando o meu irmão foi mobilizado para Moçambique e a
guerra ficou mais próxima.
Até
demais.
Mas
isso não impediu que grande parte dos jovens desse tempo continuasse a viver
sem se preocupar em demasia com o assunto e só sofríamos um sobressalto quando
se sabia que tinha morrido fulano, sicrano, beltrano, ou filho de...
Na
grande maioria tinham ido trabalhar mal fizeram a quarta classe, pois o
rendimento das famílias era pequeno e seguir os estudos não era para todos, ou
- direi melhor - era para bem poucos.
Próprio
da idade, a que podíamos chamar irreverência da juventude (hoje na maioria das
vezes chamamos parvoíces), cometíamos toda a casta de imprudências, fazíamos
tábua rasa das advertências e arriscávamos as nossas vidas gratuitamente em
toda uma série de disparates.
Beber
uns copos, noitadas, deixar crescer o cabelo assim que conseguímos rodear as
ordens dadas no barbeiro para termos sempre à nossa disposição um corte de
cabelo à “inglesa curta”.
Mas
em lugar cimeiro estavam as motorizadas; quem não tinha babava-se e tinha pena
de não ter. Compradas a muito custo para possibilitar trabalhar mais longe de
casa, serviam depois para ir aos bailaricos e para toda a espécie de gincanas
junto das moças.
Não
eram poucas vezes que essas exibições resultavam em quedas aparatosas, com manifestações
de regozijo entre a assistência por as “habilidades“ nas duas rodas terem resultado
em malhanço com o nariz no chão.
Regozijar-nos
com o mal dos outros não deve ser só uma atitude portuguesa, mas também por
vezes escondia uma disfarçada inveja pelo o tipo de “máquina” que o outro
fulano tinha, e a quem
responsabilizávamos pelo maior sucesso que ele tinha junto do sexo feminino.
Assim,
o improvisado “artista” mal caía levantava-se logo como se tivesse molas; e
mesmo perdido de dores, sorria para a multidão como se nada se tivesse passado
e acelerava a 50 centímetros cúbicos, Famel ou Zundapp – em casos mais raros
uma Honda ou V5. Depois aparecia no café no mesmo dia ou dias depois, consoante
a pancada.
Os
mais velhos diziam então, que a tropa nos estava a fazer falta e que lá iam
fazer de nós uns homens.
Nasce
então o termo que soava a ameaça, desejo ou premonição, “Lá irás para onde o
pagues”, ou “A tropa é que vai fazer de
ti um homem”.
Não
sei se foi isso resultou comigo, mas como saber ?
Um abraço para todos
Juvenal Amado
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
P752: DO ÁLBUM DE MEMÓRIAS DO JOSÉ BELO
DESERTORES
Sou
um, entre milhares dos que combateram na Guiné ao lado de Camaradas de todos os
recantos de Portugal, sem esquecer os guineenses que envergavam com
orgulho fardas portuguesas.
(Estes,
não só ao nosso lado mas, muitas das vezes literalmente à nossa frente!)
Em
1980, quando ainda havia um grande interesse por parte da sociedade sueca para
com os acontecimentos relacionados com Portugal da guerra colonial e de Abril,
fui procurado por um grupo de jornalistas suecos que desejavam aprofundar
alguns detalhes e histórias relacionadas com acontecimentos dos anos 74-75 em
que eu tinha participado, e muito especialmente em alguns passados "do
outro lado dos espelhos convenientes".
Foi
um interessante diálogo quanto ao nível de ideias trocadas no decorrer do mesmo,
não menos pelo facto de muitos dos jornalistas terem estado presentes em
Portugal na altura de alguns dos acontecimentos discutidos.
Já
em fim da conversa, o jornalista representante de conhecido jornal de esquerda
do norte da Suécia - Norlandsk Flamma - perguntou-me com mal escondida ironia:
Se eram assim tão contra a política governamental... porque é que cumpriam o serviço
militar em África e não desertavam em números substanciais?
Confesso
que, no momento, senti vontade de lhe explicar que tendo passado todo o
"PREC" como oficial responsável pela segurança do Depósito Geral de
Material de Guerra e dos seus Destacamentos Militares, todos eles situados em
plena cintura industrial de Lisboa, tinha mais do que um curso completo quanto
a perguntas provocatórias apresentadas em tudo que eram plenários, por
representantes de grupos e grupelhos de pseudo-extremistas de punhos de renda.
Mas
como explicar-lhe o facto de, desde o nascimento nos terem colocado sobre os
ombros "os tais" seiscentos anos de um passado de colonialismos
épicos feito?
Quando
quase (!) todos os que conhecia em Lisboa, com idades próximas da minha, se
encontravam algures em África?
Explicar-lhe
que o meu avô, republicano e anti-salazarista convicto, se orgulhava de ter servido
como médico militar no norte de Moçambique durante os ataques Alemães na
Primeira Grande Guerra?
Que
o meu pai, também médico, estivera voluntariamente no norte de Angola aquando
dos massacres de 1961?
Talvez
por ignorância, resultante do profundo isolamento cultural a que estávamos sujeitos,
o desertar era unicamente identificado como cobardia para com a Pátria, e não
como uma legítima forma de luta política contra o regime.
E,
francamente, acabaram por ser bem poucos os que o fizeram... Por razões estritamente
políticas (!).
A
ironia barata do jornalista, nascido e criado numa sociedade livre que, na sua neutralidade,
não participa em nenhuma guerra nos últimos 360 (!) anos, quase me levou a usar
a frase histórica do Sr. Almirante Pinheiro de Azevedo quanto ao... "bardamerda
para os trabalhadores"!
Mas,
e desculpando-me por descer a um nível tão "simplista" nos exemplos
ridículos e inofensivos que lhe dava da minha Lisboa dos anos sessenta
perguntei-lhe:
Acreditaria
ele que, "a bem da moral pública”, estavam diariamente colocados polícias
da segurança pública à porta dos liceus femininos de uma capital europeia em
1968,para afastar menos "delicadamente" os pobres dos namorados (de
idades dos 14 aos 17 anos) que romanticamente iam esperar as meninas à saída
das aulas?
Ao
mesmo nível da tal profunda moral, que razões levariam a senhora Reitora do
Liceu Maria Amália de Lisboa a percorrer sistematicamente os recreios com uma
régua na mão, medindo o comprimento adequado das saias e batas das alunas?
Enquanto
isto, a escassos dois mil metros de distância, no "estrangeirado"
Liceu Francês Charles Lepierre, as nossas aulas eram mistas e... as mini saias
das colegas... bem fresquinhas.
Perguntei-lhe
se compreendia o que lhe queria dizer com estes exemplos, aparentemente tão
simplistas e desencontrados, mas que faziam parte dum contexto muito vasto de
tantas outras realidades envolventes como as tais hipotéticas... deserções.
Enquanto entre as
famílias mais humildes, tanto rurais como operárias as percentagens de
participantes na guerra foram elevadíssimas, no capital e alta burguesia a
história seria outra.
Sentado ao calor da
lareira, recordando acontecimentos passados há quase meio século, surgem
imperceptíveis generalizações fáceis.
Pergunta (aparentemente
inapropriada, por já bem fora de contexto), apresentada pelo jornalista quanto
ao serviço militar do Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa em 1974, obrigou-me
a pensar em alguns casos de "deserções" por outros meios. Elas foram
muitas entre alguns filhos de famílias do grande capital, alta burguesia, ou de
algum modo bem "situadas" politicamente.
(Devemos, com justiça,
reconhecer terem também existido muitas e honrosas excepções a estas "deserções"
aos mais altos níveis).
São os tais
"outros" que, não desertores perante a lei, usaram de todos os meios
disponíveis, no local e momento certos, para circundarem as suas possíveis
mobilizações para as guerras de África.
Recordo um Senhor
Brigadeiro então comandante de uma das Regiões Militares (1968) que, perante
uma formatura de juramento de bandeira gritava: “Na instituição militar as
cunhas não passam a porta de armas!"
Todos sabemos que
assim não foi... se é que algum dia o virá a ser.
Da não mobilização
para África, à escolha de lugar resguardado no caso da mesma, de tudo havia um
pouco.
Escândalo?
Não acontece em
todos os países e em todos os Exércitos por esse mundo fora?
Mas, e por isso mesmo,
as posições púdicas de escamoteação destas realidades tornam-se ridículas.
Quem, de entre os
antigos combatentes, não conhece uma boa quantidade de exemplos desta deserção
subtil e, principalmente, não assumida?
O ano é 2016. As
realidades e contextos são outros.
Mas...
José Belo
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
P750: É EM 23 DE JANEIRO
Em Dezembro chamámos a atenção no blogue para a presença do Juvenal Amado no nosso convívio de Janeiro, em que irá fazer a apresentação do seu novo livro, "A Tropa vai fazer de ti um Homem".
Referimos também que nessa ocasião a obra estará disponível para compra (preço 15 €), revertendo 2 € em cada livro vendido para apoio a combatentes necessitados - uma oferta generosa do nosso camarigo Juvenal.
Não queremos agora deixar de referir que o lançamento oficial deste livro ocorrerá uns dias antes (em 23 de Janeiro, pelas 16H30) no Chiado Clube Literário & Bar, em Lisboa, conforme poderão ver no cartaz promocional reproduzido em baixo.
Uma boa razão para o pessoal que mora em Lisboa e arredores estar presente neste evento, dando uma forcinha a este nosso camarada e acompanhando-o num momento importante para ele. O Juvenal irá certamente apreciar o nosso apoio!
domingo, 10 de janeiro de 2016
P749: AVENTURAS E DESVENTURAS EM LUANDA
DE COMO PASSEI A SER LADRÃO DE
CORTES DE FAZENDA…
Luanda, Março de 1975.
Depois de uma noite “complicada”, porque envolveu muitos
copos e muitas horas, no regresso a casa, entro, sem querer, numa rua sem saída
que terminava num passeio muito alto.
O carro embate com o para-choques no passeio, eu vou com
as ventas ao para-brisas que fica estilhaçado, e a minha cara transforma-se
rapidamente num filme de terror com cortes por todo o lado e sangrando
abundantemente.
Os copos anestesiam um pouco a coisa e saio do meu carro
pelo meu pé, dirigindo-me à rua principal.
Aqui falha-me a memória se foi alguém que caridosamente
me depositou no Hospital de Luanda, ou algum táxi que consegui apanhar, mas
dado o adiantado da hora, acredito mais na primeira hipótese.
Dou então comigo no hospital a ser cozido na cara a
sangue frio, sem grande desinfecção e lavagem das feridas, de tal modo que
passados muitos, muitos anos, ainda andava a tirar pedaços ínfimos de vidros,
sobretudo nas sobrancelhas, à medida que eram rejeitados pelo corpo. Enfim,
coisas que acontecem!!!
Dispensado pelos médicos, (ou lá quem é que me coseu),
parti sozinho à procura da saída do hospital, em tronco nu, visto que a T-shirt
que vestia tinha sido cortada no hospital.
Junto à saída do hospital, ou já cá fora (não me lembro
bem), tinha à minha espera um ou dois agentes da PSP bem como um Alferes do
Exército (com soldados numa Berliet), que me identificaram, tendo-me informado
que estava detido por ter assaltado uma loja de cortes de fazenda.
Lá chegámos ao local onde estava o meu carro, diga-se de
passagem bastante destruído, e qual não é o meu espanto quando verifico que por
cima do capot no exterior, bem como nos bancos no interior do carro, estavam
diversos cortes de fazenda!!!
O espanto foi total e tive de me render à evidência,
permitindo que os militares me levassem para a esquadra da PSP. Aí chegado, convenci os agentes de que precisava de
telefonar para resolver de vez aquele assunto, que nada tinha a ver comigo.
Claro que a melhor opção era telefonar para a Base Aérea
de Luanda, onde tinha amigos, e até podia ser que o Major Pil Av Luís
Quintanilha, (meu particular amigo e companheiro nesses tempos), tivesse
chegado de Lisboa e me pudesse ajudar.
Assim não aconteceu e, não sei como, dei comigo a falar
com o Major Bessa (*), Piloto Aviador já falecido, que era meu conhecido e
amigo desde os tempos da Base de Monte Real, em que eu convivia, (embora mais
novo), com os Pilotos da Força Aérea.
Foi-me buscar à esquadra da PSP e com promessas de
retorno rápido, etc., e pela “autoridade conferida” aos militares nesse tempo,
lá fomos no seu carro, tendo-o eu convencido a voltarmos ao local do acidente.
Aí chegados, (era uma zona de moradias), batemos à porta
da casa mais perto do acidente e perguntámos se, por acaso, tinham visto alguma
coisa. Não foi preciso ir mais longe, porque o dono da casa
informou logo que estando acordado àquela hora da madrugada em que se deu o
acidente, tinha antes ouvido barulho na rua e espreitado para perceber o que se
passava.
Contou ele que viu dois ou três vultos, carregando os tais
cortes de fazenda, e que os mesmos largaram tudo e fugiram quando o meu carro
entrou pela rua sem saída. Mais informou, que tendo-me visto ir embora, e como os
cortes de fazenda estavam no chão da rua, para não se estragarem os colocou no
capot e nos bancos do carro!!!
Trabalho de investigação concluído, foi regressar à
esquadra e dizer àquele pessoal que fizessem o trabalho como devia ser!
Ainda hoje estou para perceber porque é que o dono da
casa se preocupou tanto com os cortes de fazenda e não comigo??? Mistérios da
natureza!!!
A história é verdadeira, mas pode, obviamente, ter
algumas lacunas ou imprecisões, dado o tempo já passado, (41 anos), e sobretudo
o tempo que naquela altura se vivia com uma guerra civil diária em Luanda,
entre os três movimentos políticos angolanos.
E assim passei a ser, durante algum tempo, ladrão de
cortes de fazenda!!!
Joaquim Mexia Alves
10 de Janeiro de 2016
(*) Manuel Bessa Rodrigues Azevedo
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/11/guine-6374-p13845-in-memoriam-201.html
(Com a devida vénia à Tabanca Grande, claro!)
(Com a devida vénia à Tabanca Grande, claro!)
Subscrever:
Mensagens (Atom)