quarta-feira, 27 de maio de 2015

P658: UMA SAÍDA APRESSADA...

REGRESSO DE LUANDA

Como já escrevi noutra ocasião, depois de sair da Guiné fui para Angola trabalhar, tendo ficado sedeado em Luanda. Cheguei em Março de 1974 e um mês depois aconteceu o 25 de Abril.

Durante um tempo a vida em Luanda não sofreu grande modificação, mas com a chegada dos três movimentos armados a Luanda, a coisa complicou-se muito e viveu-se um clima de guerra permanente.

Escuso-me, obviamente, de tecer comentários sobre este período da nossa história. Interessa à história que quero contar que, tendo o MPLA (ajudado pela política vigente na altura em Angola), expulsado os outros dois movimentos de Luanda, as coisas em vez de ficarem mais calmas continuaram num crescendo de incertezas, violência, guerra, etc., etc.

Resumindo e concluindo, digamos assim, um dia sou alertado por amigos que tinham conhecimentos junto do MPLA, que eu poderia vir a ser preso, não se sabendo bem a razão para tal, mas que com certeza se basearia no facto de eu ser um acérrimo crítico de toda a situação em que estava envolvida a dita descolonização.

A minha amizade com o então Major PILAV Luís Quintanilha, (comandante dos Boeing 707 militares), e outros pilotos da Força Aérea, levava a que estes fossem os meus amigos preferenciais naquele tempo. Estabeleci uma amizade cúmplice com muitos, entre eles o então Coronel PILAV João Carlos David, que era na altura Comandante da Base Aérea de Luanda (Este meu amigo viria a falecer juntamente com o Luís Quintanilha num acidente de aviação perto de Sintra, nos anos 90).

Ora, nas muitas conversas que íamos tendo, relatei-lhes a informação que me tinha chegado da possibilidade de ser preso pelas “forças reinantes” na altura em Luanda.

O João Carlos David disse-me logo que o que eu tinha a fazer mal tivesse informação mais fidedigna, ou sentisse que tal estava iminente, era dirigir-me para a Base Aérea de Luanda e lá procurar refúgio, pois ele iria dar instruções para que o meu nome figurasse na porta de armas, como alguém a quem deviam deixar entrar sem qualquer entrave.

Dali, disse ele, corroborado pelo Luís Quintanilha e outros, apesar de eu ser civil embarcaria para Lisboa num Boeing da FAP, e como tal não haveria o perigo de me “agarrarem”.

E o tal dia chegou. Ao princípio de uma tarde, a poucos dias da independência, (não me lembro já do dia), fui avisado de que a minha prisão poderia acontecer a qualquer momento.

Não hesitei, saí do escritório, meti-me no meu carro e dirigi-me rapidamente para a Base Aérea, do outro lado da cidade. Ia jurar que era seguido, mas no momento a única coisa que me interessava era chegar à Base.

Graças ao meu amigo João Carlos David a porta de armas foi-me de imediato franqueada e pude entrar e abrigar-me naquela Base Aérea. Ele veio entretanto falar comigo, percebendo então que eu tinha chegado à Base com a roupa que tinha no corpo e nada mais.

Ora eu já tinha preparado as coisas mais importantes em casa, para trazer em caso da necessária fuga, e o David, ao saber disso, disse-me que então ir-se-ia a minha casa buscar o mais importante.

Perante isso, reuniram-se alguns paraquedistas fardados e fomos num ou dois Unimog, (já não me lembro bem), buscar essas tais coisas a minha casa. Indo num veículo militar, e para mais com paraquedistas, ninguém se atreveu a mandar-nos parar, embora tenha a certeza de que nas imediações da minha casa estava gente à minha espera.

Acabou por correr tudo bem e regressámos à Base Aérea onde dormi nessa noite, para no dia seguinte embarcar para Lisboa no avião militar. Fui acordado de madrugada com um pontapé na cama, dado pelo Luís Quintanilha, que gritava: Quem é que raio está a dormir na minha cama?

Lá percebeu que era eu, demos um abraço e fomos tratar de tudo para eu poder embarcar no regresso do avião que ele tinha levado de Lisboa para Luanda.

Ao fim da noite estava eu a chegar então a Lisboa, são e salvo de qualquer problema, mas com imensas saudades já daquela fantástica cidade de Luanda e daquela maravilhosa terra de Angola.

Basta dizer como informação que o Comandante do avião em que regressei a Lisboa foi o então Tenente Coronel PILAV Alvarenga, que viria mais tarde a ser Chefe do Estado Maior da Força Aérea e a seguir Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, e que também era do núcleo de amigos de Luanda, embora menos assíduo.

Aqui fica a história para a posteridade, e sobretudo a minha enorme gratidão à Força Aérea Portuguesa e aos meus amigos que a ela pertenciam - e alguns ainda pertencem, creio eu.

Um abraço do

Joaquim  Mexia  Alves

terça-feira, 26 de maio de 2015

P657: NOVA TERTÚLIA EM LEIRIA

Vem aí mais uma sessão das II Tertúlias "A História Somos Nós". A quarta sessão deste ano irá realizar-se no próximo dia 29 de Maio pelas 18H00, como habitualmente nas instalações da Livraria Arquivo, em Leiria, sendo dedicada ao tema "Missões de voluntariado". A sessão conta com a presença da Drª Maria Antonieta, Drª Helena Carvalhão, e Senhores José Azevedo e Joaquim Gaspar, sendo moderador o TCor. Mário Ley Garcia.

É uma organização da Livraria Arquivo em conjunto com o Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes e tem o apoio do Jornal de Leiria. A entrada é livre.


Este ano está ainda prevista uma última sessão (a 5ª) dedicada ao tema "A guerra colonial na imprensa nacional e local", a realizar em 26 de Junho.

Localização da Livraria Arquivo: Avª dos Combatentes da Grande Guerra, nº 53, em Leiria



quarta-feira, 20 de maio de 2015

P654: NO PRÓXIMO DIA 22 DE MAIO

HOMENAGEM DA CÂMARA MUNICIPAL DE LEIRIA
A PERSONALIDADES DO CONCELHO

Conforme a notícia do jornal do passado dia 14, que aqui reproduzimos, chega-nos a informação que o Mário Ley Garcia, Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes e assíduo frequentador da nossa Tabanca do Centro, vai ser homenageado pela Câmara Municipal de Leiria, no dia 22 de Maio, dia do Feriado Municipal, integrado num grupo de personalidades que a autarquia decidiu homenagear pela acção cívica que têm praticado em prol do desenvolvimento do concelho leiriense.


A ele os nossos sinceros parabéns, com um forte e camarigo abraço e o orgulho de termos a sua sempre pronta colaboração na nossa Tabanca do Centro.


segunda-feira, 18 de maio de 2015

P653: PREPARANDO-NOS PARA O PIOR

SOBREVIVENDO…

Estávamos no início de 1970. Eu tinha terminado o meu curso de pilotagem no T-37 poucos meses antes - em Novembro de 1969 - e tinha passado de Sintra para a Ota, para aí frequentar o Curso de Instrução Complementar para Aviões de Caça, no T-33 (imagem ao lado).

Este curso destinava-se a preparar-nos para a qualificação seguinte, no F-86 (na BA5, Monte Real) e a partir daí a adaptação ao Fiat G-91 para, de seguida, abalar para uma qualquer Base Aérea em África onde esses aviões operavam – Bissalanca, Tete e Nacala.

Ainda não tínhamos recebido até aí grande instrução sobre técnicas de sobrevivência no caso de um acidente ou abate (isso se tivéssemos ficado vivos, claro…).

Foi precisamente na BA2 (Ota) que o pessoal do meu curso mais uma série de pilotos arregimentados em diversos locais acabou por receber um curso ad-hoc ministrado por dois técnicos americanos que se deslocaram ao nosso país para nos transmitirem alguma da sua experiência nessa matéria (alguma do Vietnam, certamente).

Foi assim que tomámos contacto com a preparação de armadilhas para capturar pequenos animais, aprendemos a acender um fogo com paus e cordas, a fazer um abrigo com restos do paraquedas, a utilizar uma pistola (mais propriamente uma caneta) de very-lights, a ser recuperados por um guincho no AL-III e, o mais penoso de tudo, a sobreviver na água.

Para essas últimas sessões deslocámo-nos então para a zona da piscina de oficiais da Base. E, se percebermos que o curso se efectuou no início do ano – talvez Fevereiro, já não me recordo bem – podem calcular o frio que rapámos naquela água, bem gelada…

Dentro da piscina tomámos contacto com as técnicas de entrada na água a partir da prancha dos 3 metros, a subida para os barcos insufláveis (de 1, 7 e 20 lugares) e a sua utilização e manutenção (sim, que os barcos insufláveis também perdem ar e há que mantê-los a flutuar…) e, técnica que muitos leigos poderão achar menos importante, a saber desenvencilhar-nos da calote do paraquedas, que tem a mania de cair por cima do piloto quando entra na água. Nesse caso, manter a calma é essencial para sairmos debaixo daquela armadilha, que já terá provocado algumas mortes por afogamento nessas situações.

Enfim, não sendo demasiado exigente, lá acabámos o curso, não sem terem surgido algumas situações um pouco caricatas cuja lembrança ainda hoje me faz sorrir. Assim de repente recordo duas…

Um camarada do curso não estava nada à vontade dentro da água – aliás penso que ele não sabia mesmo nadar… E quando largado da prancha dos 3 metros agarrado a uma corda que era então solta, era vê-lo ainda no ar a amarinhar pela corda acima, enquanto esta, solta, o acompanhava na queda para a água… Uma cena típica de desenhos animados…

Outra com muito menos graça, mas que acabou por correr bem, passou-se com outro camarada de curso que, afectado pelo frio passado dentro de água, entrou em hipotermia e quase que se ia apagando. Valeu-lhe o apoio imediato do médico da Base, que o socorreu. 

E o caricato surgiu quando, vendo dificultados os seus esforços para reanimar o rapaz, o médico decidiu deitar-se ao seu lado, para o aquecer com o calor do seu corpo. E o facto é que esse nosso camarada lá foi recuperando as cores, sem lhe terem ficado quaisquer mazelas…

Nos anos seguintes esses cursos foram sendo sistematicamente melhorados, passando para áreas próprias na BA6 e em Tróia, a que se acrescentou posteriormente um curso de Fuga e Evasão, ministrado na zona da Malcata (Beira Baixa). Mas sobre esse curso que também fiz (em 1984, 10 anos depois de ter acabado a guerra em África…) talvez um dia ainda escreva qualquer coisa neste blogue.

Miguel Pessoa

Nota: Algumas imagens retiradas, com a devida vénia, de
forumdefesa.com
defesanacionalpt.blogspot.com

sábado, 16 de maio de 2015

P652: MADE IN PORTUGAL

FORÇA AÉREA MODERNIZA AVIÕES DE CAÇA F-16

Uma reportagem RTP de Raquel Gomes / Luiz Flores / Guilherme Terra

A Força Aérea Portuguesa foi a única no mundo que optou por modernizar os caças F-16 utilizando recursos próprios numa opção que permitiu poupar alguns milhões de euros. Perto do final do programa, quando já tinham sido alteradas 37 aeronaves, a RTP foi conhecer o local onde se fez grande parte dessa modificação dos F-16.

Com a devida vénia à Rádio Televisão Portuguesa e aos autores da reportagem, Raquel Gomes, Luiz Flores e Guilherme Terra, apresentamos-vos o vídeo produzido pela RTP, já com algum tempo, mas perfeitamente actual. Para o visualizar, carrega aqui.



Lembramos que já há algum tempo, integrada no nosso 23º convívio em Novembro de 2012, se realizou uma visita guiada às instalações da BA5, Monte Real, onde tivemos a oportunidade de assistir a um briefing em que esse plano de modernização do F-16 nos foi explicado, visita essa que mereceu manifestações de grande agrado por parte de quem nela participou. Em baixo reproduzimos a 1ª página da revista "Karas" de Novembro de 2012 em que era publicada a respectiva reportagem (Podes ver aqui o texto completo sobre a visita).


Não está posta de parte a possibilidade de no futuro virmos a preparar, com o necessário apoio do Comando da BA5, uma nova visita àquela Unidade da Força Aérea. Naturalmente, convirá deixar passar algum tempo entre as visitas, para garantir o interesse de um número significativo de aderentes.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

P650: MAIS UM DEPOIMENTO NO "CORREIO DA MANHÃ"

Com a devida vénia ao autor do artigo, Leonardo Ralha, e ao "Correio da Manhã", reproduzimos o depoimento publicado na revista de domingo de 10MAI, daquele jornal. O nosso camarigo Luís Lopes Jorge é "aquisição" recente da Tabanca do Centro e chegou ao nosso convívio pela mão do Manuel "Kambuta" Lopes, tendo estado presente pela primeira vez no nosso último encontro, em 27 de Março, bem como no X Encontro Nacional da Tabanca Grande, também em Monte Real, no passado dia 18 de Abril.


sexta-feira, 8 de maio de 2015

P649: DE VOLTA AO SUL DA GUINÉ

No decorrer do nosso último convívio, no passado dia 27 de Março, tivemos o prazer de confraternizar com um novo camarigo, recém-chegado aos nossos encontros.

Trata-se do Manuel Ferreira da Silva, Coronel Reformado. Este camarada é um oficial de carreira vindo das escolas da Academia Militar, onde entrou em 1961. Como combatente comandou a 14ª Companhia de Comandos em Angola e esteve na Guiné de Dezembro de 1971 a Novembro de 1973, nos Comandos Africanos em Bolama e em Gadamael.

Vem agora disponibilizar-nos o texto que se segue, artigo esse que foi publicado na revista da Associação de Comandos, "Mama Sume".

Aqui divulgamos o referido texto, com a devida vénia ao autor e à revista da associação de Comandos, "Mama Sume", onde ele foi publicado.

Uma sugestão, já aqui apresentada noutras ocasiões: Para lerem o texto com mais facilidade primam a tecla CTRL e rodem o botão "scroll" do rato (a rodinha...) para aumentarem o zoom e adaptarem a largura do texto ao tamanho do monitor. Nós experimentámos com 125% de zoom... e lê-se perfeitamente.

A Tabanca do Centro




segunda-feira, 4 de maio de 2015

P648: JERO - CRÓNICAS DOS TRIBUNAIS / 7

O PRINCÍPIO DA INCERTEZA…

Os protagonistas desta história de vida do início da década de 60 são um homem idoso, com graves problemas de saúde, e uma bonita rapariga a rondar os 30 anos. Tinham relações de parentesco - tio e sobrinha - e viviam uma relação extraconjugal algo estranha.

Desde muito nova que a sobrinha visitava a casa de seus tios e, quando cresceu e se fez mulher, passou a ser cobiçada com outros olhos pelo tio. Que – falando mal e depressa – “rifou” a sua mulher e iniciou uma relação adúltera com a sobrinha, promovida a “dona da casa”.

O tio, machista e altamente desconfiado, vivia em permanente desassossego face ao “crescimento” da sua jovem amante, cada vez mais bonita e vistosa. E as coisas pioraram ainda mais quando, por motivos de saúde, sofreu à amputação de uma perna, o que lhe limitou drasticamente os movimentos.

A rapariga tinha uma banca de venda de miniaturas aos turistas que visitavam o Mosteiro de Alcobaça e passou a visitar fornecedores fora da vila. As viagens que fazia a Lisboa eram um tormento para o velho que, quando a jovem chegava a casa, a “cheirava” desconfiadamente na pesquisa de qualquer sinal que provasse algum “desvio” em relação à fidelidade que lhe exigia. 

Essa espionagem incluía as malas da jovem que o velho fazia à socapa, quando a rapariga saía do seu quarto, onde vivia praticamente acamado devido às suas maleitas.

E um dia – há sempre “um dia” – encontrou um resto de charuto numa mala de mão da rapariga. Como ela não fumava só podia ser a “prova” de que afinal “havia outro”…

Daí até passar à acção foi um relâmpago. Pegou num revólver, chamou a rapariga ao seu quarto, e começou aos tiros.

A jovem viu a morte tão perto que, saltou, rebolou pela cama e pelo chão, conseguindo fugir do quarto e da casa. Percebeu que estava ferida de raspão numa perna e num braço mas estava viva… A cena obviamente que deu grande alarido nas imediações da casa onde viviam mas alguém chamou a polícia e a situação ficou sob controlo. 

O agressor foi preso, a rapariga tratou-se dos ferimentos das balas, constituiu-se assistente no processo e contratou um velho e reputado advogado da vila para a representar nos autos. Está claro que a ocorrência deu origem a animado falatório na vila e no dia do julgamento a sala do Tribunal estava cheia de mirones. Que tudo queriam ver e ouvir dum caso de que não havia memória ter acontecido numa pacata terra como Alcobaça.

O colectivo de Juízes que julgou o processo apurou todos os pormenores daquela sórdida história, sendo certo que o réu confessou a cena dos tiros que tinha levado a efeito para castigar duramente a sua infiel companheira, embora não tivesse intenção de a matar.

Feita a prova registou–se a pergunta sacramental do Juiz-Presidente: “O réu tem mais alguma coisa a alegar em sua legítima defesa?”

O réu disse alguma coisa entre dentes, olhando para atrás para a sala cheia de gente. O Juiz percebeu algo de constrangimento na sua atitude e recordou-lhe que estava acusado de um crime muito grave e se tinha mais alguma coisa a dizer em sua defesa era aquele o momento. O réu acenou com a cabeça mas disse que não ia falar porque estava muita gente na sala. Perante esta atitude o Juiz-Presidente mandou evacuar a sala, o que se fez de imediato. “Então o que tem a dizer mais em sua defesa?”

O réu respirou fundo e, apontando com um dedo o advogado da sua companheira, disse: “Estou convencido que ali o doutor também teve uma relação com ela”.

O advogado da queixosa levantou-se de um salto e aos gritos aproximou-se do réu com nítida intenção de o agredir. Gerou-se um pandemónio na sala e juízes, Delegado do Procurador da República e funcionários judiciais evitaram males maiores, conseguindo que o advogado voltasse ao seu lugar sem fazer justiça por suas mãos. O réu ficou branco como a cal das paredes do velho Tribunal mas mantinha o dedo esticado em relação ao “outro”…

Depois tudo se acalmou e foi possível ser lida a sentença, que condenou o velho tio da ofendida a alguns anos de cadeia. Onde uns dois anos depois veio a falecer.

Esta história de vida algo invulgar bem podia ter sido o guião para um filme de Manoel de Oliveira.

E o título só poderia ser um que, por acaso, até já faz parte do seu longo património cinematográfico: “O princípio da incerteza”!

JERO

sexta-feira, 1 de maio de 2015

P647: DESEMBARQUE ATRIBULADO

O DIA-D NO CACHEU

Informaram-nos, cedo pela manhã, que a Companhia transbordava directamente do Niassa para uma lancha de desembarque (LDG),e seguiria para local algures no rio Cacheu.

Depois de largas hora de viagem fluvial somos finalmente informados de que iríamos desembarcar em pequena enseada na margem do rio.

Aí, deveria aguardar-nos a Companhia de Ingoré que nos iria acompanhar nas primeiras semanas de treino verdadeiramente operacional.

No ponto estabelecido a lancha abicou à margem e nós, com olímpica calma feita de total inexperiência, desembarcámos.

Primeira surpresa: - Ninguém se encontrava no local a aguardar-nos.

Segunda surpresa: - Devido à grande amplitude das marés e a outras "razões de ordem operacional" (?) invocadas, o Comandante da lancha esclareceu ter que, “lamentavelmente", abandonar o local de imediato.

Segundo ele não haveria problemas de maior, pois informara pela rádio a outra Companhia quanto à nossa chegada.

Havia algo de imensamente ridículo, de cómico, em toda a situação. Cerca de 200 homens com bagagens, viaturas, abastecimentos, tudo amontoado à pressa em clareira junto ao rio.

Antevia-se ao longe, na orla da mata densa e pantanosa, uma picada que, cerca de 100 metros à frente se perdia de vista.

Estaria minada? Deslocar um Pelotão em reconhecimento? (Sentíamo-nos tão "verdes"). Aguardar? E o tempo ia passando.

A nossa presença por certo já estaria detectada pelos guerrilheiros pois a lancha fizera uma barulheira incrível ao penetrar no tarrafo, assim como as viaturas ao procurarem desatolar-se na margem.

Por fim, alguém sugeriu que talvez fosse "conveniente"...montar um arremedo de segurança enquanto íamos aguardando.

Bruscamente, naquela "pasmaceira paisana à beira rio plantada”, surgiram vozes enérgicas de comando... Secas... Directas... Objectivas.

Montaram-se morteiros, metralhadoras de bipé, e até pesada Breda, vetusta relíquia de guerras passadas. Deslocaram-se secções de Atiradores para locais estratégicos.

Após curto espaço de tempo tínhamos algum pessoal instalado defensivamente, empoeirando camuflados virgens, em arremesso de instruções recebidas nas calmas planuras de Santa Margarida.

E o tempo continuava a passar.

À medida que as horas iam correndo e a noite se aproximava, um pesado silêncio começava a surgir.

Quando ninguém já se atrevia a conversar ouviu-se voz perplexa de um Furriel, gritando desde uma das secções instaladas, e de armas belicamente empunhadas: MAS?!... NINGUÉM TEM MUNIÇÕES!

Não é a Companhia que nos vem buscar que as há-de trazer para nós?!

Outra voz (esta em cerrado dialecto Portuense): - Carago! Lembrem-se de Aljubarrota! Forma-se já um quadrado!

Maio 1968 - Margens do Cacheu
Um abraço do
José Belo


Nota final: Para evitar stress a algum pessoal mais perturbado que não suporta o suspense, resolvemos solicitar ao autor da história que nos desvendasse o que sucedeu depois. De acordo com o nosso camarigo Zé Belo, “o final da saga do desembarque não podia ter sido mais típico das realidades das nossas guerras... A outra Companhia demorou por não ter conseguido pôr em funcionamento a velha Berliet que usava como rebenta minas à frente das colunas...”

........................................................

Informação adicional: As imagens apresentadas destinam-se unicamente a ilustrar o texto do Zé Belo, não estando directamente relacionadas com o acontecimento descrito. Com a devida vénia ao Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e aos camaradas Humberto Reis e José Carlos Lopes.