quinta-feira, 18 de junho de 2015

P669: JOSÉ BELO / MAIS UM POSTAL DA LAPÓNIA

                   FALANDO DE RENAS

A rena é o único animal da família dos cervídeos, ou dos bovinos, que tem todo o corpo coberto de pêlo, incluindo todo o nariz.

Tem duas espécies distintas de pêlo. O mais próximo da carne é como que cerzido entre si, e a segunda camada (exterior) é formada por pêlos com um tubo interior cheio de ar. Este ar interior aumenta o isolamento e ao mesmo tempo faz o animal flutuar mais facilmente, o que lhe é de grande utilidade nas muitas travessias de lagos, rios e braços de mar locais.

Os cascos são separados em duas partes e têm diferente consistência ao longo do ano, dependendo dos períodos em que há neve no solo, ou não. No período sem neve os cascos então mais moles, proporcionando uma melhor tracção.

Um tendão da perna, imediatamente acima dos cascos, provoca pequenos estalidos quase "plásticos”, quando a rena se desloca. Estes pequenos estalidos servem para manter os animais juntos nas manadas quando de travessias de florestas escuras, ou de nevões e neblinas que por aqui tiram totalmente a visibilidade para além de um escasso metro à frente do nariz.

Tendo as pernas quase continuamente enterradas na neve, o sangue venoso local é aquecido pelo sangue arterial em vasos sanguíneos especiais, fazendo-o chegar ao coração à mesma temperatura que este órgão.

Dispõe também de inúmeros vasos sanguíneos no interior das narinas que fazem com que o ar frio respirado chegue aos pulmões à temperatura normal do animal.


Quanto aos olhos, tem uma visão que abrange a luz ultra-violeta, o que lhe é muito útil para distinguir à distância animais de pelagem branca como os lobos árcticos, entre outros. Ou as marcas de urina colocadas na neve como marcação por parte de outros predadores como os linces e ursos.

O nome "rena" é originário do antigo escandinavo "hreinin" que significa animal com cornos (O nome Caribu, usado no Canadá e Estados Unidos/Alaska refere o mesmo animal que, originário do norte euro-asiático, se deslocou para o continente americano).

É o único animal da família dos cervídeos em que tanto o macho como a fêmea têm cornos, e para mais iguais em forma e tamanho, variando unicamente com a idade. Os machos mudam de cornos no Inverno ou primavera, enquanto as fêmeas o fazem no Verão.

A razão desta discrepância tem a ver com o nascimento dos vitelos na Primavera, altura em que os machos estão extremamente agressivos. As fêmeas, mantendo os seus cornos neste período, podem mais facilmente defender as crias da agressividade dos machos adultos... então sem cornos!

Outra característica única destes animais é o facto de a fêmea, se atacada e perseguida por predador quando grávida, em última instância para salvar a vida pode provocar um aborto imediato, distraindo deste modo o atacante, e tendo tempo para se afastar.

As renas têm também um olfacto muito desenvolvido que lhes é muito útil na busca de alimento sob profundas camadas de neve.

Segundo  cálculo actual aproximado existem na Escandinávia 800.000 renas "domesticadas" e cerca de 1 milhão em estado selvagem, havendo cerca de 2,6 milhões em toda a Euro-Ásia e cerca de 3,4 milhões no Alasca e Canadá.

Na Escandinávia existem dois sub-tipos:
1) Rena das florestas (de menor tamanho e "domesticada").
2) Rena das montanhas, mais ou menos do tamanho do caribu.


As renas têm uma média de vida de cerca de 20 anos.

Os seus maiores inimigos são os lobos, ursos, linces e o volvorino.
(Este último, só existe no extremo norte da Euro-Ásia e América, e assemelha-se a um pequeno urso com uma dentição e agressividade incríveis).

A águia real, por aqui muito abundante, ataca  adultos doentes ou enfraquecidos, e concentra-se na Primavera no ataque às crias das renas.

A rena tem entre 90 cms e metro e meio de altura, 1,20 a 2,30 metros de comprimento e 60 a 170 quilos de peso.

A carne de rena é extremamente saudável por ser a carne de consumo com menor teor de gordura. É consumida a um preço bem elevado nas grandes cidades escandinavas, tanto fresca como fumada. Grandes quantidades são exportadas para a Alemanha, que paga por ela um muito bom preço.

Precisamente como com os porcos na Lusitânia, tudo no animal é usado. Carne fresca, enchidos, sangue, peles, cornos para artefactos utilitários e - pasme-se!... -um chico esperto local reduz a pó cornos de rena, coloca-o dentro de bonitos frascos (quase como de perfume), ou em pequenos sacos de pele de rena decorada, e vende-o a bom preço aos turistas como remédio para a potência sexual, invocando antiquíssimas tradições locais…

É claro que os lapões riem-se à gargalhada com a ingenuidade turística e, ao mesmo tempo admiram a ideia empreendedora do... chico esperto local (Que, neste caso, saliento não ser o lusitano-lapão único... e é bem pena!).

As renas ditas "domesticadas" passam os nove meses de inverno local totalmente à solta nas florestas e estepes envolventes, sendo reagrupadas na Primavera com a cooperação de todos (Hoje em dia o uso de helicópteros  para este fim está generalizado).

A maneira tradicional (e única!) de se marcarem as renas, e demonstrar-se a sua posse, é mediante diferentes pequenos cortes feitos com as facas tradicionais nas orelhas dos animais.

Por muito incrível que possa parecer não há duas marcações idênticas entre os proprietários e os lapões à distância de muitos metros reconhecem os seus animais dentro das manadas concentradas e em movimento.

Como os animais passam todo o Inverno em absoluta liberdade só na Primavera se pode saber quantos se perderam por doença ou ataques de predadores.

O Estado paga uma boa soma ao proprietário de animais mortos por predadores. Em princípio confia no número que lhe é apresentado, pois existem estatísticas de muitos decénios que permitem estabelecer "médias" aceitáveis.

De qualquer modo, recomenda-se não fazer como todos os turistas o fazem: Perguntar ao criador lapão quantos animais tem na sua manada!

Responde-lhe de imediato se ele lhe perguntou quanto à sua conta bancária?

(Para mais... e importante... paga-se imposto por cada uma das renas da manada! Felizmente que as mesmas andam á solta pelas florestas e muitas das vezes torna-se muito difícil contá-las!)

Segundo a lei actual, só cidadãos lapöes, reconhecidos oficialmente como tal, ou cooperativas de aldeias exclusivas de lapões, estão autorizados a criar e explorar renas em grandes manadas, ou consequentes explorações industriais do produto em grande escala. Isto para manter localmente todo um modo de cultura e vida, que já há muito teria sido "comprado" pelas grandes indústrias suecas.

Uma dúzia, ou uma vintena de renas para fins pessoais, tanto para trenó como para agradável companhia ou (não menos!) consumo é no entanto permitida aos suecos não lapões... como eu…

Um abraço do José Belo

2 comentários:

Anónimo disse...

Interessante a descrição que nos enviou o José Belo, sobre as renas. Permitiu-me ter mais conhecimento sobre as mesmas, por esta via.
Um abraço.

Mª Arminda

Hélder Valério disse...

Secundo o que escreve a Maria Arminda.

Foi um descrição com muita informação e com vários aspectos interessantes e outros curiosos.

Parece que a Natureza apetrechou esses animais de maneira extraordinária de modo a viverem bem adaptados ao seu habitat.

Quanto à questão do "pó de corno de rena" e os seus efeitos afrodisíacos, parece estar na linha das mesmas acções com os cornos dos rinocerontes e dos elefantes, embora aqui também funcione o 'efeito marfim'.

Héklder Sousa