domingo, 25 de maio de 2014

P495: BEM FORA DO SEU AMBIENTE...



NO FIM DO MUNDO

Na preparação de uma conversa sobre as enfermeiras paraquedistas em que fui convidada a participar, lembrei-me de imediato de um episódio que vivi na Guiné, que ficou inesquecível na minha memória.


A camaradagem e a solidariedade sempre orientaram a minha vida e, sendo algo característico da vida militar, parecem ter tido ainda mais relevo no território da Guiné. Se é habitual haver um grande companheirismo entre os paraquedistas, tive a oportunidade de ver exemplos desse companheirismo junto de outros grupos na Força Aérea, fossem pilotos ou mecânicos da BA12. 

Também nas minhas deambulações pela Guiné (em 26 meses de comissão(*) tive a possibilidade de chegar aos sítios mais invulgares, em que afinal muitos tiveram que viver) pude testemunhar as manifestações de camaradagem e solidariedade que sempre mostraram ter para com os tripulantes dos DO-27 e AL-III que por ali passavam e particularmente para com a enfermeira que os acompanhava.
Este episódio que acima referi, sendo algo que me tocou profundamente, narro-o aqui.


No decorrer de uma evacuação que tinha como objectivo um aquartelamento no nordeste da Guiné, o helicóptero aterrou na placa, onde embarcou o evacuado. No decorrer dessa operação, aproximou-se do AL-III um Furriel daquela unidade, o qual se me dirigiu com um pedido fora do vulgar. 

Explicou-me que com ele estava naquele quartel a sua mulher, sendo ela a única branca que ali vivia; e que, não vendo nenhuma branca há já muitos meses, certamente apreciaria falar comigo por uns momentos. Avisei-o do facto de transportarmos um ferido e do pouco combustível de que dispúnhamos não permitir prolongar a nossa estadia ali. Mesmo assim, ele montou a sua motoreta e foi buscar a mulher, para a levar junto de nós.


A espera prolongou-se por mais tempo do que aquele de que dispúnhamos, o que levou o piloto a decidir-se por descolar, com grande pena minha. Já no ar, tive a possibilidade de ver aproximar-se da placa a motoreta com o Furriel, trazendo a mulher à boleia. Ali chegados, apenas teve ela tempo para nos acenar enquanto o AL-III rodava em direcção a Bissau. 

Senti naquele momento um desgosto enorme por não ter podido proporcionar àquela mulher um momento de carinho e de solidariedade, de que ela tanto necessitaria; e imagino a sua frustação quando não lhe foi possível partilhar de uns momentos de proximidade com alguém que lhe recordaria outras companhias e outros ambientes deixados há muito para trás.
                                                         Giselda Pessoa


(*) As comissões das enfermeiras paraquedistas variavam entre seis meses e um ano, o que provocava uma constante rotação do nosso pessoal. Vá-se lá saber porquê, fui optando por prolongar a minha estadia na Guiné, muito provavelmente devido ao óptimo ambiente que ali se vivia e também por me sentir realizada no trabalho que ali desenvolvia, numa atmosfera que não deixava esconder a guerra que nos rodeava.
 Foto do AL-III: Humberto Reis (Com a devida vénia)

quinta-feira, 22 de maio de 2014

P494: MAIS UMA OPORTUNIDADE AOS DISTRAÍDOS...



AINDA O ALMOÇO DE 30 DE MAIO
ALTERADA A DATA-LIMITE PARA A INSCRIÇÃO

     Camarigos

Como já tivemos oportunidade de referir anteriormente, voltámos a organizar o nosso convívio para a última Sexta-feira do mês, que no presente caso corresponde a 30 de Maio.

Para mantermos a ementa habitual - o cozido - explicámos-vos então que seria necessário garantir um mínimo de 40 inscritos, sabendo também que a lotação da sala impede que esse número possa exceder os 80.

Tem-se verificado desta vez uma adesão mais lenta do que as registadas em convívios anteriores. Isso poderá suceder por este ser “apenas” mais um dos nossos encontros já habituais, sofrendo desta vez a concorrência directa de outros convívios programados igualmente para esta época – o IX Encontro Nacional da Tabanca Grande, os Convívios anuais de Companhias ou Batalhões a que os nossos camarigos pertencem… e compreende-se que, dada a periodicidade (anual) destes últimos e o esforço e os custos das deslocações, o nosso encontro possa passar nesta situação para 2ª prioridade…

Neste momento, tendo em atenção o número de inscrições já registadas e estando por isso já garantida a habitual ementa dos nossos encontros - o cozido à portuguesa – pretendemos ainda alargar o convívio ao maior número possível de participantes, pelo que decidimos estender a data limite de inscrição para as 12H30 do dia 28 de Maio, de modo a permitir - por haver ainda disponibilidade - a inscrição de algum retardatário.


Façam as vossas inscrições
aqui na caixa de comentários ou para o e-mail da Tabanca do Centro: tabanca.centro@gmail.com.

NÃO aceitaremos inscrições feitas no Facebook

Nas inscrições feitas através da caixa de comentários, se ainda não o tiverem feito
indiquem-nos o vosso endereço e-mail.
Só assim poderemos enviar-vos fotos dos encontros em que participarem e
os avisos de saída de textos ou outra informação publicada no blogue.

A Tabanca do Centro

quarta-feira, 21 de maio de 2014

P493: CRÓNICAS DO JERO




Quando saímos de Binta, no norte da Guiné, tivemos direito a lágrimas de saudade dos que ficaram. Tínhamos sido importantes para eles e para nós próprios.

O último ano em Binta aconteceu noutro mundo! Quase que tínhamos esquecido o mundo para onde regressámos em Maio de 1966! Quando regressámos à Metrópole e à vida civil chocámos com um mundo onde a nossa importância anterior rapidamente se esbateu.

Já estava tudo feito - éramos apenas um pequeno parafuso de uma máquina gigantesca que girava sem cessar – e à nossa volta já não tínhamos a malta da Companhia. Todos tinham partido para as suas vidas. Para longe.

Nos primeiros meses corríamos sempre à chamada de cada camarada que se casava. Viajávamos de norte a sul do País para nos voltarmos a encontrar. Naquelas horas que estávamos juntos voltávamos lá! E o nosso Capitão normalmente estava por perto!

Depois tínhamos que voltar ao mundo dito normal , onde ninguém falava a nossa linguagem!
Que tempos amargos. Trabalho. Mais trabalho. E - falo por mim - solidão.

E os anos iam passando. Uma vez por ano a malta da Companhia reunia para um convívio, onde começámos a levar os filhos, que entretanto tinham chegado às nossas vidas. 

As estórias do nosso tempo da guerra voltavam inevitavelmente nesses dias especiais com velhas discussões em relação à emboscada de Caurbá, ou de Cansenhe, no caminho de Farim, ou perto de Guidage… E muitos anos depois havia camaradas que chegavam à conclusão que se tinham abrigado do fogo inimigo “à frente” de uma árvore e não "atrás", como conviria…

Todos esses convívios anuais começavam com uma missa onde eram recordados os camaradas que “tinham ficado” na Guiné e os que entretanto, pela lei da vida, nos tinham já deixado. Dos 170 que tinham pertencido inicialmente à CCaç. 675 já não estavam entre nós cerca de quarenta!

E quando os “cabelos brancos” chegaram, uma “comissão de camaradas de boa vontade” passou a reunir-se uma ou duas vezes por ano para visitar as campas dos camaradas que já tinham partido para honrar a sua memória e deixar na “última morada” uma lápide com o seu nome e com o emblema da Companhia.

O tempo passa depressa, muito depressa, e, felizmente, que a “idade do condor” traz também algumas coisas boas. Um camarada e sua dama chegam às "Bodas de Ouro" e convidam a malta da Companhia para estar presente. E vamos à Missa de acção de graças e ao Copo de Água para aconchegar os estômagos e a “memória do casamento”. Tudo a rigor e com uma programa festivo que nos dá a conhecer uma família numerosa que canta e dança em volta dos “noivos”, rodeados de filhos, genros, netos e netas. Um autêntico espanto.


Estávamos a saborear o prato de peixe – bacalhau com broa – quando um grito numa mesa próxima me fez quase saltar da cadeira. Porque o grito de aflição tinha o meu nome: “Oliveira”. Dirijo-me à mesa onde estava o Rodrigues, correspondendo ao apelo da mulher do Cravino, que via ainda em mim o enfermeiro que eu tinha sido na vida militar cinquenta anos atrás.

O Rodrigues - que eu sabia estar a meio de um tratamento oncológico - estava muito pálido, espumava pela boca e tinha a cabeça pendida para o peito. Não dava acordo de si e quando lhe peguei no braço para “ver” as pulsações não lhe encontrei o pulso. Olhei de novo para a cara e o seu aspecto era assustador. A fazer pensar o pior. Felizmente aproximou-se um jovem, que era enfermeiro a sério e “dentro do prazo”, que deu uma ajuda. Dois ou três minutos depois o Rodrigues voltou a si.

A côr voltou-lhe a face e falou com a mulher e comigo sem se lembrar que tinha estado alguns minutos em colapso. Na fase mais preocupante tínhamos pedido que se chamasse o INEM. O Rodrigues recusou de imediato a ideia e como parecia estar de facto melhor anulou-se a “urgência”.

Passado mais uns minutos levantou-se e dirigiu-se para fora do restaurante, pedindo para ir para o seu carro e voltar para casa. O filho estava por perto e sentou-se ao volante. Momentos antes eu tinha sabido que o Sporting do meu amigo Rodrigues estava a ganhar por 2 a zero ao Paços de Ferreira. Nunca antes que me lembre – sou benfiquista desde os bancos da escola – tive tanta satisfação em dizer a um camarada “em azar” que os "lagartos" estavam a ganhar ao intervalo. E o seu sorriso de satisfação valeu a pena e tornou mais leve o “meu sacrifício”…

Entre o grito da mulher do Cravino e a entrada do Rodrigues no seu carro para regressar a casa com a sua mulher e filho decorreu cerca de meia hora. O meu prato de bacalhau há muito que tinha arrefecido e já não o comi. Enquanto andei “armado” em enfermeiro não pude deixar de reparar que a maioria dos convidados das “bodas de ouro” não tinha perdido o apetite e tinha feito as honras ao prato de peixe do “copo de água”… sem interromper uma garfada que fosse!

Depois a festa continuou com os familiares dos “noivos” a cumprirem um animado e bem pensado programa em honra da Luísa e do Carlos, que tinham contraído matrimónio há cinquenta anos atrás em 5 de Abril de 1964 na Basílica da Estrela. Um mês e pouco depois – em 8 de Maio – o Carlos embarcava para a Guiné, integrado na Companhia de Caçadores 675.

Quando então saímos do cais da Rocha de Conde de Óbidos, em Lisboa, tivemos direito a lágrimas de saudade dos que ficavam.


Recriámos esse tempo de despedida na noite do “encontro” dos eternos namorados de há 50 anos nas Bodas de Ouro de 5 de Abril de 2014. Meio século depois de Binta numa época em que o vagomestre nos ”matava a fome” com “ciclistas”(feijão frade presente em todas as refeições). Que recordo com um sorriso. O que, sinceramente, a partir de agora não vai acontecer quando me apresentarem “bacalhau com broa”. Ao almoço ou ao jantar. Nem lhe vou tocar…

As voltas que a vida dá !
JERO




segunda-feira, 19 de maio de 2014

P492: O SEU A SEU DONO...



AINDA A RESPEITO DO CONVÍVIO DA C.Cav 8351
Um esclarecimento do nosso camarigo Vasco da Gama
            Meus queridos Camaradas

Recebo amiúde telefonemas de Camaradas da minha Companhia a recordar este ou aquele acontecimento, a perguntar pela saúde, se a consulta correu bem ou mal, a combinar novo encontro, a convidar para o baptizado do neto... enfim, vivências comuns entre Amigos.

Depois de vários deles me terem perguntado: “Já viu o nosso vídeo'”? (refiro-me ao vídeo da reunião da minha querida Companhia C.Cav. 8351 no passado 3 de Maio em Portalegre), hoje mesmo o fiz e atentei particularmente no meu discurso. Terei exagerado no que disse? Não importa agora falar sobre isso, pois o que está dito, dito está!

Na sequência da conversa que acabei de ter com o meu Camarada Parola, este esclareceu-me de que, ao contrário do que me foi dito em Portalegre e do que escrevi, o oficial de dia NÃO lhe disse : “vá comprar uma bandeira à loja dos chineses”.

O oficial apenas disse que o quartel não tinha bandeira disponível para nos ceder, tendo o meu Camarada Augusto Covas dito ao Parola: “Vamos comprar uma bandeira à loja dos chineses” - e foi isso que fizeram!

Aqui estou a pedir públicas desculpas por ter induzido em erro os Camaradas que se deram ao trabalho de ler o meu texto.
 
Tenho demasiado respeito e carinho por este local de encontro para me “ficar nas covas”.

Quanto ao resto, incluindo a não disponibilidade de uma bandeira de Portugal para cobrir a lápide onde figuram os nomes dos meus Companheiros que tombaram na Guiné,  à falta de afecto e solidariedade para com a minha C.Cav. 8351, está dito e aqui o repito. Ninguém mo disse, vivi-o!

Tal como o grande José Régio, considerado por alguns dos intelectuais da nossa praça como poeta menor, também a minha querida C.Cav. 8351 teve um tratamento pouco consentâneo com o respeito que lhe é devido.

Vasco A. R. da Gama