segunda-feira, 28 de abril de 2014

P480: UM CAMARADA QUE PARTE

FALECEU O NOSSO CAMARIGO JOÃO PINHO DOS SANTOS


Recebemos hoje esta mensagem do Manuel Augusto Reis, de Aveiro, presença frequente nos nossos convívios:

"Caros amigos e camaradas:

É com muita tristeza que comunico o falecimento no nosso amigo e camarada. João Henrique Pinho dos Santos. Foi mais um que partiu, deixando connosco o sua boa disposição, a sua alegria e o seu sorriso. Amigo sempre presente nos almoços convívios da Tabanca do Centro, enquanto a saúde lhe permitiu, deixou para todos a nós a herança de não o esquecermos nos nossos convívios quer da Tabanca do Centro, quer da Tabanca Grande.
Foi dos primeiros camaradas a partir para a Guiné, em 1963. Tinha a idade de 73 anos e vivia em Aveiro.
As cerimónias religiosas realizam-se amanhã dia 29 às 9.30 h na capela de Santo António, junto ao Parque da Cidade, seguindo o corpo para a Figueira da Foz para ser cremado ás 13 horas.

Sentido pêsames a toda a família enlutada. O amigo de sempre,
Manuel Reis"
Tomámos assim conhecimento do falecimento do nosso camarigo João Henrique Pinho dos Santos, presença assídua na Tabanca do Centro. A sua ausência nos últimos convívios já tinha sido notada e comentada e, dada a gravidade do seu estado de saúde, tinhamos ficado com a ideia de que este seria o desfecho mais previsível.
 
Inexoravelmente a vida vai-nos aproximando uns dos outros e depois vai-nos levando do convívio entre nós.
Mas aqueles que da “lei da morte se vão libertando”, ficam cá dentro, na memória e no coração, e não há melhor lugar para se ficar.
Porque com o coração se ama e com a memória se recorda.

Paz à sua alma e que Deus o tenha no seu eterno descanso.

A Tabanca do Centro baixa a cabeça ao camarigo Pinho dos Santos e abraça a sua família na dor e na companhia dolorosa deste momento.



A Tabanca do Centro


PS:
Como é acima referido pelo nosso camarigo Manuel Reis, as cerimónias religiosas realizam-se amanhã dia 29 às 9.30 h na capela de Santo António, junto ao Parque da Cidade, seguindo o corpo para a Figueira da Foz para ser cremado ás 13 horas.

P479: DO CICLO DE "TERTÚLIAS DOS COMBATENTES"



ÚLTIMA SESSÃO NO PRÓXIMO DIA 5 DE MAIO




As “Tertúlias dos Combatentes” têm sido organizadas pelo Jornal de Leiria e pela Livraria Arquivo, com a colaboração do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes. Este ciclo encerra no próximo dia 5 de Maio, pelas 18H00, com esta última sessão subordinada ao tema:

Outras guerras: Bósnia, Timor, Afeganistão 

Diferenças face à guerra do Ultramar.
Principais missões.
Condicionantes na acção devido ao material e treino tido.
Convivência com os locais e outras forças da ONU.


Como habitualmente a sessão decorrerá numa sala da Livraria Arquivo, na Av. Combatentes da Grande Guerra, nº 53, em Leiria (refª  A no mapa junto). Estarão presentes os Tenente-Coronel Joaquim Moura e Tenente-Coronel Pinto da Silva. A sessão será moderada pelo Coronel Ismael Alves. A entrada é livre.

A Tabanca do Centro


quarta-feira, 23 de abril de 2014

P477: AINDA ANTES DE ATINGIRMOS A DATA LIMITE...

ENCERRARAM AS INSCRIÇÕES PARA 30 DE ABRIL



P476: UM CASO DE SUCESSO

Passa hoje o 10º aniversário da Tabanca Grande

 



Quando os nossos “mais velhos” fazem anos, sentimos uma grande alegria e fazemos uma grande festa.

É sempre um momento especial viver os aniversários daqueles que nos deram origem, e isso envolve não só a gratidão, mas também a amizade que forçosamente tem que existir entre aqueles que vivem em família.

E os combatentes, da Guiné ou de outras guerras de África, são uma família, porque viveram e vivem as mesmas situações, porque se preocupam uns com os outros, porque afinal procuram para todos a alegria da vida, tantas vezes magoada por factos passados e presentes.

Tal como na vida em família, os “mais velhos” dão origem, acompanham o crescimento, e quando os “descendentes” se “independentam”, alegram-se com o seu sucesso, e por isso mesmo estes se sentem sempre ligados, agradecidos e concorrem sempre para o bem-estar desses “mais velhos”.

Por tudo isto e por todas as razões, parabéns à Tabanca Grande na pessoa do Luís Graça, seu fundador, do Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro, Virgínio Briote, seus fundamentais colaboradores, e de todos os combatentes que dela fazem um pouco a sua casa e para ela concorrem, construindo com as suas histórias e opiniões, a enorme família de combatentes que a Tabanca Grande é, e que, sem dúvida, ajudará, e muito, a que um dia, (afastadas as paixões politicas e outras), se faça a verdadeira história do que foi a guerra que Portugal travou em África.

Um abraço, daqueles dos combatentes quando se reencontram, ou seja, intenso, forte, apertado e alegre à Tabanca Grande pelo seu aniversário.

A Tabanca do Centro



sábado, 19 de abril de 2014

P475: NA MEDIDA DO POSSÍVEL...



O NOSSO MODESTO APOIO AOS COMBATENTES

Num recente boletim informativo do núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes verificámos agradados a referência que aquela instituição fez ao apoio (naturalmente modesto) que a nossa Tabanca do Centro pôde dar a  alguns combatentes mais necessitados, fruto dos dinheiritos extra acumulados no decorrer dos nossos convívios em Monte Real, e que disponibilizámos então àquele núcleo.


Dizemos agradados, não porque fosse importante vê-lo escrito no boletim mas por saber que esse dinheiro serviu de algum modo para, embora pontualmente, minorar as dificuldades de uns tantos camaradas num momento de maior aflição.


É claro que pretendemos prosseguir esta modesta colaboração com o núcleo de Leiria da Liga, por isso apelamos também à boa vontade dos camarigos presentes em próximos convívios no sentido de continuarem a deixar o vosso contributo para o apoio a disponibilizar a alguns combatentes carenciados.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

P474: DO MANUEL MAIA - 11


António Freitas Barbosa, vilanovense, com ascendência nas famílias Freitas e Salgueiro, ambas da mesma freguesia, nasceu em 02/05/1912, numa casa pertencente a outra prestigiada família local (os Pedro) e veio a falecer a 09/08/1981, após uma vida com expressão pouco consentânea com os hábitos tradicionais de uma família dita normal.

Cá fez o estudo primário, rumando então ao Porto para o secundário, onde evidenciou grande capacidade para o cálculo matemático.

Acabou por interromper o promissor trajecto aos 16/17 anos face a uma fortíssima  crise depressiva, a que alguns atribuem origem no "cansaço de estudar" e outros à severidade excessiva de que a educação doméstica se revestia, a fim de controlar os impulsos do jovem António.

Fez-se homem numa casa da família Salgueiro (da qual a mãe provinha), conhecida como a "Casa da Barranha", mudando-se, já com cerca de vinte anos, e acompanhado  da família chegada, para o lugar de Cambados, na mesma freguesia de Vila Nova da Telha, onde se viriam a estabelecer em definitivo...

Eram visíveis as melhoras em termos de saúde. Como prova de confiança, os Salgado (outra conhecida família de agricultores do local...) convidam-no para apadrinhar o baptismo de uma sua filha...

É quando se enamora, perdidamente, por uma jovem de uma freguesia vizinha, cuja família, discordando  do relacionamento de uma descendente com um rapaz a quem eram atribuídos problemas neuróticos - quiçá ligados a bruxaria, como infelizmente a ignorância desse tempo se afadigava em empolar - inviabilizará o namoro...

O desgosto e a impotência para contornar esse obstáculo provocarão a recaída depressiva acabando por criar rupturas no seio familiar, levando-o a procurar refúgio e apoios no exterior da sua casa de lavoura, junto da vizinhança...

É nesta  fase que inicia uma vida desregrada, errante, percorrendo a distância entre a sua zona de habitação familiar e a estação de Pedras Rubras (uma boa meia dúzia de quilómetros...).

Tem ainda um tempo de acalmia, provavelmente reflexo de qualquer tratamento médico a que tenha sido sujeito, e, perdida a eleita dos seus sonhos, vira atenções para outra cujo acesso lhe seria ainda mais dificultado, desta vez pela própria família, que não via na humilde funcionária dos Caminhos de Ferro, no então apeadeiro de Vilar do Pinheiro, a "forma para o seu pé" - como soe dizer-se - desprovida que era dos "dotes" suficientemente valiosos que preenchessem os quesitos de uma família terra-tenente interessada  em "engordar" património ao invés de o retalhar...

Terá ficado desde logo evidente que a fixação que António Freitas manifestou ao longo da sua vida pelos comboios e tudo aquilo que a eles dissesse respeito, como iremos ver mais para a frente, terá tido algo a ver com este traumatizante episódio...

Surge uma nova recaída, desta feita mais violenta, e com ela aparecem  incursões mais significativas nos excessos do álcool, não fosse ele um "truca" (alcunha que a família ostentava ao que parece porque utilizavam o garrafão como vaso, por onde directamente emborcavam o vinho... «se tiveres sede, pegas no garrafão e “truca”», era comum ouvir-se por lá...).

O seu  plano existencial vai inclinar-se inexoravelmente para o abismo...

Voltando aos comboios, registe-se a obsessão que o levava a acorrer à passagem no lugar de Cambados, aqueles já imbuídos de grande velocidade no seu trajecto Porto - Póvoa de Varzim, e à estação de Pedras Rubras, onde os podia espreitar mais de perto.

Por lá aparecia de hora a hora porque era essa a frequência  da passagem das composições, as que se destinavam à  grande urbe, conhecida então pela cidade do trabalho, esse  Porto de Garrett,  epitetado então de  capital do Norte, com "artistas" e estudantes que por lá procuravam realizar as suas vidas, e as que regressavam para a Vila (do Conde) de José Régio, onde semanalmente  tomava lugar uma importante feira de gado, terminando a viagem na Póvoa de Eça de Queiroz, conhecida pelo Casino, pelas piscatórias artes e demandada em período balnear pelas gentes do interior.

O "trama",  o das "leiteiras", todos o Freitas "inspeccionava" a cada sessenta minutos, recebendo em troca uma moedita e um cigarro, que o maquinista, fogueiro, revisor ou chefe lhe ofertavam pelo seu trabalho de "inspecção"...

Socos debaixo do braço, calça arregaçada como se fora regar milho, camisa à padre (sem colarinho) demasiado puída para se lhe detectar a cor que em tempos provavelmente fora branca, colete coçado e aberto, deixando à vista num dos bolsos, um ou dois cigarritos, ou até mesmo um pequeno maço de Kentucky, em dias de maior  fartura...

Naqueles em que isso se não notava (a maioria esmagadora, mau grado como atrás referido, ser o filho varão de ricas famílias de agricultores...) passava uma boa parte do tempo catando beatas que desfazia para embrulhar depois esses restos de tabaco em papel comum, tantas vezes de jornal, enrolando-o em forma de cigarro que, aceso, ardia em chama em vez de brasa...

No inverno, uma samarra de gola de pele de coelho defendia-o da frialdade...

O seu velho chapéu de feltro cinza rato era de quando em vez substituído por um boné de ferroviário oferta de algum carregador ou mesmo revisor, já que todos o respeitavam e acarinhavam cumulando-o com pequenas ofertas...

Em alternativa também usava uma negra boina basca, enterrada até às orelhas, deixando à vista, descansando, a beata acabada de apanhar ou um cigarro à espera de fósforo...

Todos os meses, ao dia cinco, cumpridas as "obrigações" de inspecção e enchimento de água, sempre que disso carecessem as já velhas máquinas a vapor, irrompia no escritório do chefe da estação reclamando  o vencimento mensal de que alguém o convencera ser seu de direito na qualidade de "inspector"...
Invariavelmente o informavam que não houvera tempo para o seu processamento pelo que deveria passar no mês seguinte em que lhe seriam pagos todos os atrasados...

Praguejando, abandonava o gabinete e retomava a "rota do bagaço", que conhecia melhor que ninguém...

Um dia o chefe Emílio presenteou-o com um boné branco que já não usava, deixando Freitas numa alegria incontida.

Não fosse ficar estragado e por isso, Freitas só o colocava quando já se encontrasse em terrenos da companhia. Até aí, colocava-o debaixo do braço, em bom recato...

De volta à "rota do bagaço" e já depois da primeira dose no armazém de J.Barbosa, onde havia um pequeno pipo que aguardava a sua visita bi-diária que o armazenista de produtos alimentares tinha à sua disposição, Freitas demandava o Café do Branco, frente aos soldados da paz, para quase "exigir" ao primeiro que ali encontrasse (eram quase sempre os mesmos...) a costumeira aguardente.

- "Pagas um bagacinho" ?

A resposta não variava muito...

-" Só se declamares a Nau Catrineta"...

Moeda no balcão, bagaço no copo (por pouco tempo) e lá começava a "dizer" a lenda que Almeida Garrett imortalizou.

"Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito p`ra contar !
Ouvide agora senhores
uma história de pasmar"...

Como se não lembrasse momentaneamente de mais, soltava uns impropérios em vozeirão de baixo, regra geral ininteligíveis, e saía...

Certa noite, já madrugada, depois do último bagaço, Freitas cirandava pelo passeio fronteiriço ao café quando foi barbaramente agredido com um encharcado de água a ferver despejado de cima pela mulher do proprietário, alegadamente porque os berros que Freitas soltava impediam o seu curto repouso, dada a necessidade de reabrirem por volta das cinco/seis da manhã...

Como se tal pudesse constituir atenuante para um acto tão irracional e criminoso que teve...

Clientes houve que, dando largas à mais veemente revolta, não mais puseram os pés naquele estabelecimento...

Na rua era muito popular com a criançada, sabedora dos seus dotes para o cálculo...

"- Freitas, quantos são oito vezes sete" ?

Ele respondia de imediato...
"-Cinquenta e seis", cinquenta e seis, não é " ?

"-E sete vezes oito?", inquiria um outro mais espevitado, à espera dum falhanço...

"-Cinquenta e seis" ...

 Freitas sabia que dali não viriam proventos, por isso, retirava-se praguejando sonoramente...
-" Sou um mártir" ! " Sou um mártir" ...

Gato escaldado de água fria tem medo, diz o ditado, e Freitas deixou de frequentar o café do Branco para visitar com mais assiduidade o "Apolo", ali a dois passos, onde recebia o carinho dos presentes...

- " Pagas um bagaço?”, berrando enquanto tirava a boina ou o boné...

-" Só se nos disseres porque é que o Salgueiro é rico"...

Emborcada a aguardente, Freitas apelando à sua voz de baixo não se fazia rogado e atirava:

-" Tem um cão que caga "lão"...
Tem um gato que caga farrapo...
tem uma mulher que dá o ... 
Por isso o Salgueiro é rico...

E saía  para a rua, que a vida custava e havia pequenos serviços a fazer por ali, que lhe garantiriam a almejada moeda, permitindo que pudesse estar a horas para a sua "inspecção profissional" de hora a hora na estação...

Enchia  tanques através da bomba braçal, tirava "água choca" das fossas, já que o saneamento ainda estava por nascer, cobrando uma "taxa fixa"- de dois cigarros mais vinte e cinco tostões...

Corria depois na primeira oportunidade de tempo que tivesse a levar as pequenas caravelas à "Melindra", à "Plácida", ao Bernardino, à "Sameira", ao "Tone Careca", as tascas da zona envolvente da estação, onde as trocava pelo precioso líquido que aviava  "em menos de um fósforo"...

António Freitas Barbosa foi indubitavelmente uma das figuras locais por quem a população sempre nutriu carinho especial, conquanto a sua imagem fosse muitas vezes utilizada pelas mães para pressionarem a prole a comer a sopa "depressinha"...

Morreria aos sessenta e nove anos, em Agosto de 1981, depois de uma vida atribulada, como vimos, ou de mártir, como frequentemente afirmava.

Terá levado consigo a revolta provocada pela opressão arcaica e pouco escrupulosa que o vitimou...

Manuel Maia