sábado, 18 de outubro de 2014

P554: OPTIMIZANDO OS RECURSOS?...



PRAGMATISMOS NÓRDICOS,
SENSIBILIDADES LUSITANAS…

Não sei se este alinhavar de ideias  será  pesado para o blogue.
São o resultado de alguns dos muitos choques culturais Norte/Sul, demasiadamente referidos, mas... bem pouco compreendidos.

Há já uns bons anos tive a oportunidade de assistir a um programa da televisão sueca relacionado com a morte, e com o dia a dia do funcionamento do crematório central de uma cidade média local.

Como na Escandinávia a cremação tem raízes antigas e profundas, a percentagem de indivíduos cremados é de mais de 90%.

A maneira prática funcional, como todo o procedimento é efectuado, foi detalhadamente mostrado no longo filme, até ao ponto de apresentar imagens das pausas existentes num dia de trabalho de oito horas, para os funcionários tomarem um café, fumarem um cigarro, ou almoçar.

O filme seria quase macabro não fora apresentado de uma tal perspectiva técnica e funcional que mais se associa a uma moderna fábrica de maquinaria sofisticada.

Políticos locais, responsáveis pela economia da cidade apresentada como exemplo no filme (Örebro),chegaram à conclusão de que 2/3 do calor necessário para as cremações poderia ser reaproveitado para fins de aquecimento (aqui tão importante e providenciado a nível central) a um bom número de zonas habitacionais da respectiva cidade.

Depois das contas feitas e com o tal pragmatismo nórdico, as vantagens económicas da solução tornaram-se mais do que evidentes.

O José Belo com o seu anarquismo lusitano poderá tentar fazer humor sobre o caso dizendo que mais de metade dos apartamentos e vivendas de Örebro são diariamente aquecidos com o calor emanado (e aproveitado) depois da cremação dos corpos das avozinhas, crianças, pais, mães ou irmãos dos habitantes locais.

Mas, e dentro de uma perspectiva ético-moral, estes pragmatismos económicos realizados à custa de valores fundamentais de respeito pela pessoa humana, mesmo na sua condição de cadáver, trazem à mente associações demasiado próximas valorativamente com os recentes, e aqui vizinhos, campos de extermínio.

Só espero que isto não chegue ao conhecimento de alguns dos nossos GENIAIS políticos, salvadores da economia… a todo o custo.

Um abraço do
José Belo

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Sem dúvida que as "sensibilidades" são muito diferentes e isso, em si mesmo, não é dramático, na medida em que é possível fazer-se uma espécie de troca de 'sensibilidades', assim as mentes estejam 'abertas' para isso.

É claro que o tal 'pragmatismo' pode-nos chocar, aqui talvez por 'falta de sensibilidade', com a questão do aproveitamento do calor tendo em conta a 'fonte' do mesmo e isso é realmente 'estranho' mas, lá está, depende da perspectiva. Para mim, confesso, 'entendo' o tal pragmatismo mas...

E por causa desse "mas...." partilho das preocupações do Zé Belo quanto a este "dar ideias" aos nossos obsecados por percentagens de déficit.

Abraço

JD disse...

Camaradas,
Durante os últimos 2/3 anos já acompanhei à última morada alguns familiares e amigos, e constato uma grande diferença (evolução pragmática) nos destinos dos corpos, bem como nos comportamentos das pessoas próximas que os acompanham.
Só em dois casos o destino não foi o crematório, e por vontade de quem se passou. Já sobre as caixinhas de cinza, no geral não sei o destino que tiveram.
O que quero dizer, é que também entre nós está-se a passar uma mudança de mentalidade com reflexos culturais. Parece que há menos pessoas a acreditar na ressurreição, no pressuposto de que o mesmo corpo de que cada um gosta tanto, um dia volte a reviver. E dessa questão do aproveitamento calórico de uma função pública dedicada à incineração, devemos extrair uma ideia de partilha em circunstâncias de recursos limitados.
Ao longo da história têm sido muitas as notícias sobre o que ainda recentemente seria o sentimento da profanação dos corpos. Lembro-me do caso do avião que se despenhou nos Andes, onde aconteceram sobreviventes entre outros passageiros que perderam a vida, e aqueles só tiveram a solução antropófaga para sobreviver. Com muito menos pruridos e conflitos culturais, já contei no Blogue da Tabanca Grande, que uma noite em Bajocunda, para onde fora deslocado durante uns dias, passei uma noite numa cama da enfermaria ao lado de outra, onde jazia o corpo de um dos elementos da 1ª. C.C.A. Por uma questão pragmática tinha adoptado a enfermaria como lugar de eleição para dormir, e durante aquela noite, tanto eu como o infeliz camarada não tivémos qualquer outro sobressalto.
A maior capacidade do ser humano parece ser a da adaptação.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Gostei de ler o texto em que o José Belo, nos dá a conhecer os procedimentos de povos muito diferentes do nosso, sob muitos aspetos. A aceitação por nossa parte, que o destino final das cinzas dos crematórios, fosse utilizado como fonte de energia, para outros fins, mas sim apenas e só, a guarda ou não, do que representa para cada um de nós a presença de um ente querido que deixou a vida terrena, fere um pouco a minha sensibilidade e possivelmente de outros concidadãos. Porém, temos que ter em conta as culturas e quotidianos muito diferentes de ambos os povos. Constato e acredito que é um procedimento cada vez mais utilizado sendo até uma alternativa, à saturação dos cemitérios e dos solos. Acompanhei há quinze anos, um familiar e tive ocasião de ver através de uma janela o final da cremação,(a recolha das cinzas), mas não foi de ânimo leve que o fiz, tendo acedido ao convite do funcionário que a executou e como técnica de saúde, fiquei a saber um pouco mais. Saíu-me cara a curiosidade, porque dormi muito mal, nos dias subsequentes e jamais a esqueci. Acedi à última última vontade, do meu familiar e cumpri a palavra dada. As mentalidades e os costumes têm evoluído nesse sentido, mas apesar da crise, não me parece de todo, que o produto final pudesse ter o mesmo destino, como aquele que o José Belo, relata. Temos por cá muito sol e outras alternativas. Penso que a nossa mentalidade e os valores, que ainda defendemos, não aceitaria de bom grado, tal procedimento. Gostei de ter tido conhecimento deste facto. Um abraço. Mª Arminda

Anónimo disse...

Caríssima Amiga.
Gostaria de esclarecer um pequeno,mas importante detalhe....Näo säo as cinzas a serem usadas no aquecimento mas sim parte de energia usada,e resultante,da cremacäo.
Um abraco do José Belo.