terça-feira, 16 de setembro de 2014

P540: APRENDENDO COM A ASNEIRA...



VENTOS E CATA-VENTOS
O pára-quedas de cauda do Fiat G-91 era um componente importante na utilização do avião em pistas mais curtas ou naquelas em que, devido às altas temperaturas existentes, a corrida de aterragem (*) era agravada.

Lembro-me, depois de uma aterragem em Nova Lamego (em que naturalmente tive que usar o pára-quedas de cauda), não havendo ali material de substituição, tive que prosseguir para Bissalanca sem poder recorrer a ele. E, dadas as altas temperaturas verificadas àquela hora na pista da BA12, recordo-me bem que, sem o pára-quedas, o avião "comeu" praticamente a pista toda até se imobilizar. E os travões ficaram bem quentes nessa ocasião...

Naturalmente, havia algumas restrições ao uso do pára-quedas do avião, nomeadamente no que diz respeito às condições e velocidades máximas de utilização. Assim, ele deveria ser extraído apenas depois de o avião tocar no solo e com uma velocidade inferior a 150 nós (**).

Compreendem-se essas restrições pois o pára-quedas, aberto, comportava-se como um verdadeiro cata-vento e, se nos lembrarmos que na outra ponta estava o avião, imagine-se a rotação a que este podia estar sujeito no caso de ventos fortes laterais. E esses efeitos sentiam-se ainda mais no ar. Por outro lado, havia um limite físico à abertura do pára-quedas - o cabo que ligava o pára-quedas ao avião tinha uma rotura prevista aos 3000 kg de força, o que acontecia quando a abertura era efectuada acima dos tais 150 nós (***). Corria-se nesse caso o risco de a calote se desprender, deixando o pára-quedas de ter qualquer utilidade.


Existia no entanto uma gama de velocidades (pequena) entre a velocidade de tocar no chão e a velocidade máxima de abertura do pára-quedas que permitia abrir o pára-quedas ainda no ar, sem ultrapassar essa velocidade limite. Tinha que se ter um cuidado extra, pois ao abrir o pára-quedas o nariz do avião tinha tendência para baixar. Na verdade não se ganhava nada com isso mas era um exibicionismo que um piloto mais atrevidote gostava de experimentar. Bem, foi precisamente o meu caso...
Dei-me bem com o método (que, na verdade, usei apenas esporadicamente), até ao dia em que fiz uma aproximação a Bissalanca e resolvi abrir o pára-quedas de cauda imediatamente antes de tocar, sem ter tido em muita consideração os ventos que a Torre de Controlo me reportava.

O facto é que rapidamente me arrependi do feito, pois o avião iniciou um par de rotações para um lado e outro do eixo da pista (20º ou mais para cada lado). Tendo finalmente conseguido dominar o animal (os animais, se incluirmos o que ia a pilotar...) lá consegui pôr o estojo no chão e fazer uma corrida de aterragem mais ou menos normal. E o facto é que nunca mais, desde então, deixei de cumprir rigorosamente o que estava estabelecido no referente às condições e velocidades de utilização do pára-quedas de cauda do Fiat G-91...

Miguel Pessoa
 

(*)  Em termos simples, a distância percorrida desde o "tocar no chão" até à paragem completa do avião

(**) 150 nós (ou 150 milhas náuticas por hora) correspondem a quase 280 km/hora (150x1,853=277,9 km/h)

(***) Um agradecimento ao Cristiano Valdemar, ex-mecânico de Fiat G-91 na BA12, que me relembrou estes dois valores, já desaparecidos do meu "disco rígido"...

Cartoon do Fiat G-91 da autoria do Paulo Moreno
Foto da aterragem do Fiat G-91 da autoria do então Sarg. Coelho, da Secção Fotográfica da BA12

7 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Pois, mas aprendeste à tua custa.

Outros, noutras situações, foram tentando, tentando e por vezes magoaram-se!!!

Parafraseando um velho ditado: «mais vale um pára-quedas no avião, do que dois a voar!»

Um abraço
Joaquim

Juvenal Amado disse...

Fiat há muitos.
Até tive dois mas não eram propriamente necessário para-los com para quedas.
No teu relato dá para entender que te fiaste (de Fiat) pisaste o risco e safaste-te.
E ainda bem

Um abraço

Anónimo disse...

Grande aluno, este sr. Miguel Pessoa.
Dominava tão bem a arte de "pára-quedear" que, num belo dia dos idos de 73, decidiu deixar cair o fiat e saltar ele só para ver o efeito...
Grande salto que deu casamento e tudo.
Um grande abraço, sem pára-quedas, de um Buarqueiro sulista.
DA Gama

Anónimo disse...

Regressado (quase há minutos)ás minhas renas,fiz bem em visitar o blogue.
Eu que sempre julguei que aquele "paninho" que aparecia atrás dos FIAT era para protejer os täo sensíveis Senhores Pilotos quando saíam dos aviöes em zona de mosquitos.
Aquele abraco do José Belo.

Anónimo disse...

Boa tarde, meu Coronel
Excelente texto.
Também não sabia qualquer o papel do "paninho" que aparecia atrás dos FIAT- Sempre a aprender.
Grande abraço .
JERO

Hélder Valério disse...

Caríssimos

Não há dúvida que se está sempre a aprender...

E agora até já encontrei uma outra possível aplicação para a expressão "paninhos quentes"...

Quanto ao 'nosso' Miguel.... o que se pode dizer... "irrequieto", no mínimo! Quantas aventuras já ele nos revelou, sempre fruto da sua 'capacidade inventiva' e quantos 'incidentes' já lhe sucederam? Chego até a pensar que aquele episódio do abate do seu Fiat foi apenas um 'simples' acidente de percurso.

Mas o que conta é que está aqui para 'as curvas' e para nos mimar com estes conhecimentos.

Obrigado Miguel
Abraço
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Olá amigo Miguel. Eu sabia bem para que servia esse "paninho", agora com toda essa descrição tão elucidativa, é que não. O nosso era para vir à vertical e o vosso na horizontal, na aterragem. Com a sua brincadeira esqueceu-se de que o material, "tem sempre razão"!... Valeu-lhe a Nª Senhora do Ar. Gostei e cá está entre nós, felizmente para contar muitas mais estórias. Um abraço. Mª Arminda